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    Cientistas desvendam história de bicho parecido com 'lhama com tromba'

    REINALDO JOSÉ LOPES
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    27/06/2017 17h03 - Atualizado às 12h11
    Erramos: esse conteúdo foi alterado

    Jorge Blanco
    Reconstrução artística do estranho bicho <i>Macrauchenia patachonica</i>, que habitou parte da América do Sul, inclusive o Brasil
    Reconstrução artística da Macrauchenia patachonica, que habitou boa parte da América do Sul

    DNA de um dos bichos mais enigmáticos da pré-história da América do Sul, tão estranho que é preciso compará-lo a uma lhama com tromba para dar uma ideia de sua aparência, foi obtido pela primeira vez por uma equipe internacional de pesquisadores. Resultado da análise: a macrauquênia (Macrauchenia patachonica) é uma prima distinta do grupo de herbívoros que inclui os cavalos, os rinocerontes e as antas.

    Com o resultado, a misteriosa fauna de ungulados (mamíferos com casco) que habitou o Brasil, a Argentina e outros países sul-americanos durante dezenas de milhões de anos começa a ficar menos "órfã". Com efeito, as macrauquênias (nome que significa algo como "lhama comprida") são apenas um dos exemplos das criaturas esquisitas que se diversificaram por aqui durante o longo período entre o fim da Era dos Dinossauros e a formação da ponte de terra da atual América Central, quando o nosso pedaço do continente era uma gigantesca ilha.

    A falta de conexão com o mundo normalmente estimula o surgimento de faunas peculiares, como se pode ver em ilhas menores. Foi o que também aconteceu na América do Sul –e, como a separação entre a região e o resto do planeta aconteceu quando os grupos de mamíferos estavam apenas começando a se diversificar, saindo da sombra dos dinos, era difícil saber em que galho da árvore genealógica do grupo faria mais sentido encaixar as macrauquênias, ao menos com base em seu esqueleto fossilizado.

    Tal enigma persistia desde os dias do naturalista britânico Charles Darwin, principal arquiteto da teoria da evolução –Darwin foi o primeiro a identificar fósseis da inaudita criatura ao visitar a Patagônia argentina nos anos 1830. No novo estudo, publicado na revista científica "Nature Communications", participaram pesquisadores do Museu Argentino de Ciências Naturais, do Centro de Pesquisas sobre Ambientes da Patagônia, no Chile, da Universidade de Potsdam (Alemanha) e do Museu Americano de História Natural, em Nova York.

    LEITURA DE DNA

    Todas essas instituições se uniram no esforço de recolher amostras de ossos de macrauquênia e também de outro ungulado bizarro da antiga América do Sul, o toxodonte (bicho que talvez possa ser comparado a um hipopótamo peludo). Após várias tentativas de obter DNA "legível" (ou seja, passível de ser comparado com o de seres vivos atuais), a equipe obteve material genético de apenas uma das amostras de macrauquênia.

    Talvez não por acaso, era um espécime do sul do Chile, local mais frio onde a preservação do DNA ao longo dos milênios deve ter sido um pouco mais fácil (considerando que os animais foram extintos entre 20 mil e 10 mil anos atrás).

    Mesmo assim, não foi brincadeira extrair e a analisar as cerca de 13 mil "letras" de mtDNA ou DNA mitocondrial (oriundo das mitocôndrias, as usinas de energia das células). Para essa tarefa, os pesquisadores em geral usam pedaços de DNA de espécies modernas que sejam parentas próximas do bicho extinto –o DNA moderno se une a trechos do antigo e ajuda a "pescá-lo" e a produzir mais cópias dele.

    No caso das "lhamas com tromba", porém, esse primo moderno não existe. O resultado foi usar o DNA de quatro bichos modernos diferentes (cavalo, anta, rinoceronte e guanaco, um parente das lhamas) e empregar métodos estatísticos para ir montando o DNA de macrauquênia passo a passo com base nos dados que coincidiam da comparação entre as espécies.

    O resultado colocou a criatura como parente dos perissodáctilos, ou ungulados com número ímpar de dedos (como o cavalo, que só tem um). A separação entre os ancestrais dela e os perissodáctilos teria ocorrido há 66 milhões de anos, justamente na época em que os dinossauros sumiram do planeta, calculam os cientistas.

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