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    Soro antizika previne doença em macacos

    REINALDO JOSÉ LOPES
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    04/10/2017 19h15

    Lalo de Almeida/Folhapress
    Criança com microcefalia causada por zika
    Criança com microcefalia causada por zika

    Anticorpos produzidos em laboratório conseguiram bloquear totalmente a ação do vírus da zika em macacos. O resultado, relatado por pesquisadores no Brasil e nos EUA, ainda está longe da aplicação em seres humanos, mas mostra que seria possível proteger grávidas e seus futuros bebês da ação viral por meio de um coquetel de anticorpos desse tipo.

    A estratégia, descrita em artigo na mais recente edição da revista especializada "Science Translational Medicine", foi idealizada por pesquisadores da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), da USP e da Universidade de Miami, entre outras instituições. Um ponto importante é que a equipe conseguiu aumentar o tempo de circulação dos anticorpos no organismo, o que, consequentemente, também traria proteção mais duradoura para os pacientes.

    "Com isso, poderíamos cobrir uma gestação inteira com apenas duas ou três injeções de anticorpos", diz Esper Kallás, professor da Faculdade de Medicina da USP e um dos autores brasileiros da pesquisa.

    DA COLÔMBIA AO RIO

    Para chegar à formulação que teve sucesso no teste em macacos, os pesquisadores começaram obtendo uma lista de 91 anticorpos derivados do organismo de um paciente colombiano que havia sido infectado com o causador da doença. A ideia era testar a eficácia dessas moléculas de defesa do organismo contra a ação de uma variante do vírus presente no organismo de uma grávida do Rio.

    Quando um novo vírus começa a invadir as células de uma pessoa, começa a produção de diferentes formas de anticorpos, cada um deles com potencial diferente para se ligar às partículas virais e neutralizar a ação delas. Ao testar as 91 moléculas do paciente colombiano, em busca das que conseguiam reduzir em pelo menos 80% a taxa de infecção pela zika in vitro, a equipe brasileiro-americana acabou identificando três anticorpos especialmente potentes, que pareciam os mais promissores.

    Antes de partir para o teste em animais, porém, os pesquisadores decidiram fazer alguns ajustes nessas moléculas. Existe, por exemplo, o risco de que um anticorpo acabe facilitando o trabalho de um vírus, em vez de derrotá-lo.

    Digamos que uma pessoa que já teve dengue seja infectada pelo vírus da zika, que é aparentado ao causador da dengue. Nesses casos, é possível que os anticorpos contra dengue que essa pessoa já possuía acabem se ligando ao causador da zika - mas sem neutralizá-lo para valer.

    Pior ainda, enquanto uma ponta da molécula de anticorpo está ligada ao vírus, a outra pode estar ligada a determinadas células de defesa do organismo. "Desse jeito, o anticorpo serve como cavalo-de-troia, jogando o vírus inteiro para dentro da célula" e facilitando sua multiplicação, explica Kallás.

    Ainda não se sabe se um cenário desse tipo pode realmente acontecer envolvendo zika e dengue, embora ele pareça estar por trás do maior risco de dengue hemorrágica depois que alguém é infectado por dois ou mais tipos diferentes do vírus dessa doença. Seja como for, pequenos ajustes na conformação da molécula podem minimizar o risco do problema, bem como aumentar a "durabilidade" dos anticorpos na circulação sanguínea.

    No teste final, feito com oito macacos-resos (da espécie Macaca mulata), metade dos primatas recebeu injeções com o vírus da zika e, um dia depois, doses do coquetel de anticorpos específicos contra o invasor viral, enquanto os outros bichos infectados só receberam injeções de um anticorpo genérico que não age contra a zika. A multiplicação do vírus foi totalmente barrada no primeiro grupo, coisa que não se deu no segundo grupo de animais.

    LONGO PRAZO

    Apesar do sucesso da estratégia, Kallás lembra que ainda falta um processo longo e caro para que os testes em seres humanos comecem. É preciso produzir os anticorpos com rigoroso grau de pureza, garantindo, por exemplo, que eles não afetem células humanas por engano. Para avançar, a equipe precisará de parcerias com a iniciativa privada.

    Além disso, o pesquisador destaca que, num momento em que o financiamento à ciência no Brasil vai de mal a pior, é preciso levar em conta que resultados como esses dependem de investimentos de longo prazo.

    "A gente nunca começa do zero esse tipo de coisa. Eu trabalho com o David Watkins [coordenador da pesquisa na Universidade de Miami] desde 2005, e a ideia original era trabalhar com dengue, não com zika. Mas, quando a crise ligada à zika começou, nós já estávamos preparados. A estrutura e a cooperação necessárias para descobertas assim nunca surgem de imediato. A restrição de investimentos do governo está gerando um fruto podre que vai acabar caindo daqui a alguns anos", compara.

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    PASSO A PASSO DA PESQUISA

    1) O primeiro passo da equipe foi obter informações sobre os anticorpos produzidos no organismo de uma pessoa da Colômbia que tinha sido infectada pelo vírus zika

    2) A partir dessa análise, eles identificaram três anticorpos diferentes que mostraram maior capacidade de neutralizar o vírus

    3) O trio de anticorpos foi injetado num grupo de quatro macacos-resos, que também foi infectado com uma cepa do zika originalmente isolada de uma grávida do Rio de Janeiro; outros quatro primatas receberam o zika, mas não os anticorpos

    4) Os animais que receberam os anticorpos ficaram totalmente protegidos da ação do vírus, ao contrário do que ocorreu com o outro grupo de macacos

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