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    Cavaleiros das estepes e bárbaros deram origem ao povo grego

    REINALDO JOSÉ LOPES
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    15/10/2017 02h00

    Costas Baltas/Reuters
    Turistas observam Templo de Zeus, em Atenas, na Grécia
    Turistas observam Templo de Zeus, em Atenas, na Grécia

    Os gregos antigos foram os responsáveis por inventar a palavra "bárbaro" (termo originalmente usado para designar qualquer povo que não falasse sua língua). Mas novas análises de DNA indicam que os próprios grupos responsáveis por levar o idioma grego para a terra onde ele é falado hoje podiam muito bem ser classificados como bárbaros –seriam cavaleiros nômades das estepes.

    É isso o que sugere uma pesquisa coordenada por Iosif Lazaridis, da Escola Médica da Universidade Harvard (EUA), que está em edição recente da revista científica "Nature".

    Lazaridis e seus colegas obtiveram DNA de esqueletos encontrados na Grécia continental, na ilha de Creta (também pertencente à Grécia) e no sudoeste da Anatólia (atual Turquia).

    Salada Helênica

    Esses indivíduos viveram em épocas que vão do Neolítico (época do surgimento da agricultura), por volta de 5.500 a.C., à Idade do Bronze, entre 2.900 a.C. e 1.200 a.C.

    Comparando esse DNA com o de outros povos pré-históricos da Europa e da Ásia e com o de gregos e demais europeus vivos hoje, os cientistas conseguiram fazer uma reconstrução bastante completa da história populacional da Grécia desde seus primórdios –embora ainda restem muitas dúvidas.

    CAMADAS GREGAS

    Os pesquisadores já sabiam que, durante o Neolítico, grupos asiáticos da Anatólia, que só precisavam atravessar os poucos quilômetros do estreito de Dardanelos para chegar à Europa, foram os responsáveis por trazer a agricultura ao atual território grego.

    Com a passagem dos milênios, duas grandes civilizações apareceram na região ao longo da Idade do Bronze. Primeiro foram os minoanos ou minoicos (de 2.600 a.C. a 1.500 a.C.), cuja principal base era Creta.

    Construíram belos palácios e parecem ter usado seus navios principalmente para o comércio. Eles foram suplantados pelos micênicos (que dominaram a Grécia e as ilhas ao seu redor até 1.200 a.C.), um povo de guerreiros cuja escrita já continha uma forma muito arcaica do grego que ainda é falado na Atenas do século 21.

    Um dos grandes mistérios associados a essas fases da história grega é a origem dos micênicos. Outro enigma tem a ver com a possível relação entre micênicos e minoicos, bem como a que existe entre esses dois povos e gregos da época de Platão ou de hoje.

    As análises comparativas de DNA sugerem, em primeiro lugar, que cerca de três quartos do material genético de minoicos e micênicos teria vindo mesmo dos primeiros agricultores que chegaram à região, a camada demográfica mais antiga. No caso dos minoicos, a segunda camada de ancestrais parece ter parentesco com grupos do Cáucaso e do Irã.

    Os micênicos e os gregos de hoje, por sua vez, também têm contribuição majoritária dessas duas camadas mais antigas –com a adição de uma terceira camada genética mais recente, correspondente a algo como 15% de seu DNA, ligada a antigos habitantes das estepes da Eurásia (em regiões como a Rússia e a Ucrânia atuais) e da Armênia.

    BÁRBAROS DO NORTE

    Esse último "tempero" genético parece estar relacionado ao fato de que os gregos falam um idioma indo-europeu –o mesmo grande grupo que inclui o português, o inglês, o russo e a imensa maioria das línguas da Europa.

    Uma das hipóteses mais fortes hoje é a de que esses idiomas surgiram a partir do avanço de cavaleiros das estepes rumo à Europa a partir do início da Idade do Bronze.

    "Em certo sentido, nossos dados apoiam a hipótese da estepe, já que uma população que definitivamente falava um idioma indo-europeu –no caso, os gregos micênicos– tinha uma ancestralidade 'setentrional' que não está presente em seus antecessores, os minoanos, que podem ou não ter sido indo-europeus", disse Lazaridis à Folha.

    "No entanto, as coisas são complicadas, porque não achamos esse componente 'setentrional' no sudoeste da Anatólia, onde sabemos que, historicamente, havia idiomas indo-europeus. Portanto, acho que ainda não dá para bater o martelo nessa discussão."

    Os mitos da Grécia Antiga chegam a mencionar vários povos que teriam habitado a região antes da chegada dos helenos –nome que os gregos usavam para designar a si próprios.

    O pesquisador de Harvard, porém, lembra que esses mitos não costumam falar de imigrantes vindos de terras distantes, fora da região do mar Egeu. "Quando isso acontece, a referência é a heróis lendários, como Pélops, que deu seu nome à região do Peloponeso [sul da Grécia] e teria vindo da Anatólia", diz.

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