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    Pesquisadores querem domar e 'engordar' tomate selvagem

    FERNANDO TADEU MORAES
    DE SÃO PAULO

    08/11/2017 02h04

    Divulgação
    A partir da esq., tomate resistente à salinidade; espécie que deu origem ao tomate atual; tomate cereja
    A partir da esq., tomate resistente à salinidade; espécie que deu origem ao tomate atual; tomate cereja

    Praticamente todas as plantas cultivadas hoje no planeta passaram por um longo processo de domesticação, iniciado com o surgimento da agricultura, há cerca de 10 mil anos.

    Baseado numa contínua –e muitas vezes inconsciente– seleção de espécimes, esse processo nos legou variedades mais fáceis de lavrar, frutos maiores e grãos que amadurecem ao mesmo tempo.

    Essa seleção, porém, como a palavra denuncia, também provocou perdas, deixando muitas espécies para trás e reduzindo a algumas poucas variedades as lavouras plantadas em larga escala.

    Domesticar novas espécies, hoje selvagens –aproveitando sua resistência a condições adversas–, é o objetivo de um estudo pioneiro que vem sendo realizado em conjunto por cientistas brasileiros e alemães.

    O projeto, uma parceria da USP e da Universidade de Münster, será apresentado durante o 6º Diálogo Brasil-Alemanha de Ciência, Pesquisa e Inovação, organizado pelo Centro Alemão de Ciência e Inovação, que começa nesta quarta-feira (8) em São Paulo.

    "Como se desenvolveram num ambiente não protegido e hostil, muitas das plantas selvagens possuem resistência a fatores como doenças, frio, seca etc", explica Lázaro Peres, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (USP) e um dos líderes da pesquisa.

    "Há muito tempo", prossegue o pesquisador, "tenta-se passar, sem sucesso, essas características para as plantas já domesticadas. A dificuldade está no fato de que essas adaptações se desenvolveram, muitas vezes, durante milhões de anos e envolvem muitos genes, o que torna impraticável a sua manipulação".

    Já a domesticação, sendo bastante mais recente em termos evolutivos, envolve muitos menos genes. Além disso, para várias espécies, já se conhecem aqueles que sofreram mutação durante o processo de domesticação.

    Peres e sua equipe tentaram então o caminho oposto. "Em vez de tentar trazer a planta selvagem para o 'jogo' da doméstica, por que não utilizar esses genes que sabemos ser necessários para a domesticação e usar esse conhecimento para reproduzir isso na selvagem, preservando suas características originais?", indaga o cientista.

    O primeiro alvo dos pesquisadores é uma espécie de tomate chamada Solanum galapagense, que se desenvolveu na costa das ilhas Galápagos e possui maior tolerância à salinidade. Segundo Peres, ela foi coletada pela primeira vez pelo naturalista Charles Darwin, em 1835.

    O fruto da S. galapagense tem o problema de ser muito pequeno, do tamanho de uma ervilha.

    "Mas, como sabemos quais foram as mutações responsáveis por aumentar o tamanho do tomate domesticado, podemos reproduzir essas mesmas mutações nessa espécie selvagem, aumentando seu fruto e mantendo sua resistência à salinidade", diz.

    O princípio que está sendo usado para o tomate selvagem pode ser estendido para qualquer espécie. "Basta que conheçamos bem a genética dela. Mas chegar a isso é só uma questão de tempo."

    SEGURANÇA ALIMENTAR

    A agricultura, explica Peres, é um processo reducionista. "O homem caçador-coletor do passado coletava muito mais plantas do que ele veio a domesticar e, hoje, comemos muito menos plantas do que já conseguimos domesticar". Em outras palavras, com o passar do tempo, dependemos de cada vez mais de menos espécies vegetais.

    Tal cenário constitui uma espécie de armadilha no que tange à segurança alimentar mundial.

    "Com a mudança climática em curso, pode ser que o ambiente deixe de ser adequado para algumas culturas que constituem a base da nossa alimentação como arroz, milho, soja etc."

    Um estudo publicado em julho pelo Met Office, o serviço nacional de meteorologia do Reino Unido, mostrou que a produção mundial de milho –base da dieta de diversos países– pode sofrer impactos consideráveis nas próximas décadas devido ao aumento de eventos extremos, como grandes secas, provocados pelo aquecimento global.

    "Hoje, estamos mostrando que é possível domesticar novas espécies de modo rápido –algo que antes era julgado impossível. Isso não só nos permite utilizar espécies resistentes a fatores ambientais que não foram selecionadas no passado como pode multiplicar a gama de alimentos que podemos consumir, aumentando nossa segurança alimentar", conclui Peres.

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    Domesticação a Jato

    Pesquisadores criam técnica para acelerar esse processo

    SELEÇÃO
    Quase todas as plantas que consumimos passaram por um processo de domesticação, isto é, tornaram-se mais fáceis de serem cultivadas e com frutos melhores e maiores

    EFEITO
    Uma consequência da domesticação é que hoje existem poucas espécies cultivadas, já que a maioria foi descartada nesse processo

    RISCO
    Nesse cenário, o abastecimento mundial de alimentos pode terminar prejudicado caso eventos climáticos extremos atinjam as plantações

    ACELERAÇÃO
    Um projeto de cientistas brasileiros e alemães busca domesticar espécies selvagens de maneira mais rápida, usando técnicas de manipulação genética

    ADAPTAÇÃO
    Com isso, seria possível domesticar espécies hoje selvagens e aproveitar sua adaptação a ambientes adversos, como seca, salinidade e predadores

    TOMATE
    Atualmente, o grupo vem trabalhando com uma espécie de tomate chamada Solanum galapagense, naturalmente resistente à salinidade. Ela evoluiu na costa das ilhas Galápagos e foi coletada pela primeira vez por Charles Darwin. A técnica, em princípio, pode ser aplicada a qualquer outra espécie selvagem

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