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    Aécio Neves

    Diplomacia à deriva

    24/02/2014 03h00

    O Brasil perdeu mais uma oportunidade histórica de se colocar à altura de seu papel de liderança no continente.

    Com a crise política, econômica e social na Venezuela e a escalada crescente da violência e a ameaça real à estabilidade institucional do país, esperava-se do governo brasileiro uma ação diplomática pró-ativa e firme, coerente com a tradição centenária do Itamaraty, pautada no respeito aos direitos humanos, à defesa da liberdade e da democracia.

    Ao assinar as notas do Mercosul e do Unasul que emprestam respaldo ao presidente Nicolás Maduro, o Brasil ignora as respostas que o governo venezuelano tem dado às manifestações de protesto, com flagrante repressão contra toda e qualquer oposição ao regime e o cerceamento ostensivo à liberdade de expressão. Soma-se à vocação autoritária do chavismo uma grave instabilidade econômica, com a maior inflação da América Latina (57%) e a menor taxa de crescimento (1,1%). Arruinado pela má gestão, o país expõe seus cidadãos a uma rotina de escassez de alimentos e de energia.

    No lugar de oferecer colaboração institucional para a promoção do diálogo entre as forças políticas em conflito, o Brasil submete sua política externa às conveniências ideológicas, deixando de representar os interesses permanentes do Estado brasileiro para defender o ideário do governo de plantão.

    Longe de ser um fato isolado, a posição se inscreve no rol de desacertos desde que o governo impôs à atuação da Chancelaria o viés partidário. Nunca é demais lembrar episódios como a aceitação dócil da expropriação das refinarias da Petrobras em Santa Cruz, em 2006; a deportação dos boxeadores cubanos nos Jogos Pan-Americanos de 2007 e o tratamento dado ao senador boliviano exilado na Embaixada em La Paz. Onde está a coerência com a atitude adotada na crise paraguaia, em que foi invocada a cláusula democrática do Mercosul? Por afinidades ideológicas, o Brasil está deixando de assumir suas responsabilidades internacionais também na questão dos direitos humanos.

    A partidarização da política externa tem consequências também na política de comércio exterior. As crises na Venezuela e na Argentina, pela passividade da reação do Itamaraty, estão trazendo prejuízos à credibilidade do governo brasileiro e às empresas nacionais que encontram barreiras para exportar e grandes dificuldades para receber seus pagamentos.

    O mundo desconfia do Brasil, e não é à toa. Pouco adianta a presidente da República reafirmar no concerto internacional a posição do Brasil como país aberto, democrático, que respeita as regras internacionais, se, na prática, damos guarida a governos autoritários que desprezam a democracia e o Estado de Direito.

    aécio neves

    Escreveu até maio de 2017

    É senador pelo PSDB-MG. Foi candidato à Presidência em 2014 e governador de Minas entre 2003 e 2010. É formado em economia pela PUC-MG.

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