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    Alessandra Orofino

    Juventude decadente

    11/12/2017 02h00

    Karime Xavier/Folhapress
    SÃO PAULO, SP, 16.02.2017: FERNANDO-HOLIDAY - O vereador de São Paulo, Fernando Holiday (DEM-SP), integrante do MBL (Movimento Brasil Livre), concede entrevista em seu gabinete. (Foto: Karime Xavier/Folhapress)
    O vereador de São Paulo, Fernando Holiday (DEM-SP), integrante do MBL (Movimento Brasil Livre)

    Fernando Holiday é um fenômeno político da minha geração. O agora parlamentar e membro fundador do Movimento Brasil Livre (MBL) despontou para a política com um discurso anti-corrupção, foi eleito vereador de São Paulo pelo DEM, e desde então, compõe oficialmente os quadros do partido que tornou-se uma das bases de sustentação do governo evidentemente corrupto de Michel Temer.

    A pauta anti-corrupção, portanto, se tornou mas difícil de defender, ao menos com um pingo de coerência -especialmente desde que o ex-advogado da campanha de Holiday o acusou de caixa dois. E o vereador se voltou para as pautas ditas "culturais".

    Uma de suas agendas preferidas é a defesa do projeto dito Escola Sem Partido, que começou a ser discutido em São Paulo na mesma semana em que sua versão nacional foi retirada de pauta por seu autor, o senador Magno Malta -sim, o mesmo que estava entre os políticos investigados por desviar dinheiro destinado à compra de ambulâncias, no escândalo que ficou conhecido como Sanguessugas, em 2006.

    A versão paulistana do Escola Sem Partido é de autoria do vereador Eduardo Tuma (PSDB), com coautoria de Holiday. O projeto é curto, com apenas oito artigos. Alguns repetem obviedades e obrigações dos professores que já estão previstas em legislação vigente, como por exemplo a de não criar "uma atmosfera de intimidação" em sala de aula.

    Outros artigos, no entanto, revelam-se absolutamente inócuos ou de implementação impossível, como aquele que determina o "direito dos pais a que seus filhos menores não recebam a educação moral que venha a conflitar com suas próprias convicções."

    Pesquisas do Instituto Ipsos para a agência de notícias Reuters indicam que 47% dos brasileiros acreditam no criacionismo, negando, portanto, a pertinência da teoria da evolução. O mesmo instituto afirmou em 2016 que 62% dos brasileiros admitiam ter pedido ajuda a um amigo ou conhecido para obter alguma vantagem na obtenção de um serviço ou bem público no último ano.

    Já segundo o Ipea, um terço dos brasileiros acha que "a mulher que usa roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada". Essas, senhoras e senhores, são as convicções morais dos brasileiros e brasileiras que, segundo Holiday e os 15 vereadores que apoiam sua proposta demagógica, não podem ser contrariadas pelos professores em sala de aula.

    Nunca concordei com as agendas de Holiday, mas não posso deixar de ficar triste ao constatar que uma liderança tão jovem tornou-se tão decadente em tão pouco tempo.

    Repercutindo propostas populistas, aproveitando-se de chavões fáceis e enganadores e recusando-se a comentar quando jornalistas fazem matérias abordando as acusações de caixa dois e outras irregularidades em sua campanha, Holiday tornou-se a cara da renovação menos renovadora de todos os tempos.

    Junto com os outros moleques enraivecidos do MBL -os mesmos que, enquanto gritam contra a suposta pedofilia dos museus brasileiros, enviam uma foto de um pênis ereto para uma repórter que busca checar suas mentiras-, Holiday encarna o tipo de rebeldia conformista, de raiva estratégica e de burrice assumida que cabe à minha geração, a mesma que lhe deu voz e palanque, negar, desconstruir e derrotar. Porque se o nível do debate político dos "filhos da democracia" for esse, o futuro será uma repetição triste dos descaminhos que nos levaram a esse 2017 desesperançoso.

    Em tempo: eu nunca vi adolescente nenhum ser esse ser fácil e impressionável, "página em branco" a ser preenchida por seus professores. Até nisso Holiday e seus coleguinhas parecem ter, digamos, uns mil anos a mais do que está registrado em suas certidões de nascimento. Que pena.

    alessandra orofino

    É economista, cofundadora da Rede Meu Rio e diretora da organização Nossas. Curadora do blog #AgoraÉQueSãoElas. Escreve às segundas, a cada duas semanas

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