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    Alexandra Forbes

    Na cozinha, o high abraça o low

    30/01/2015 02h00

    Do banco de passageiro de um Uno, Massimo Bottura –cuja Osteria Francescana, na Itália, é o número três na lista dos 50 melhores restaurantes do mundo– filmava com seu iPhone. Percorríamos a avenida 23 de Maio, em São Paulo, onde mais de 400 artistas estão pintando muros e pilares.

    "Incrível!", exclamava ele sem parar. "E olha essas pessoas acampando, que curioso!" Eram moradores de rua, logo expliquei...

    Um dia antes, ele havia cozinhado um almoço na fazenda de um dos maiores colecionadores de arte e vinho do Brasil. Foi o encerramento de cinco dias em que Bottura exibiu seus dotes para pessoas riquíssimas e influentes.

    Navegou entre elas com a mesma desenvoltura –bebericando Château Petrus e usando Château Haut-Brion (um vinho mítico, caríssimo) para fazer um molho– com que navegou pelas áreas mais pobres da capital paulista.

    O que mais fez brilhar seus olhos foi o almoço no Esquina Mocotó, na Vila Medeiros, zona norte da cidade. Adora os botequins e as portas de comércio grafitadas com carrões e animais exóticos do bairro.

    Bottura encabeça uma lista de chefs que buscam aproximar seus restaurantes caros e pluriestrelados da realidade da maioria da humanidade. Na cozinha, o high está abraçando o low.

    Bottura irá encabeçar uma iniciativa inédita, com apoio do papa Francisco, na Expo de Milão, que será inaugurada dia 1º de maio. Cozinhará com restos (cascas de verdura, pão velho, ossos e peles de animais) em um refeitório de um bairro pobre. Servirá estudantes e desafortunados de graça.

    "Chefs influentes têm obrigação de tornar visível o que é invisível." Para Bottura, os privilegiados que comem em seu restaurante precisam ver que, enquanto o melhor de cada verdura, peixe e carne lhes é servido, o imperfeito vai para o lixo.

    O tema pouco interessa a frequentadores de restaurantes de luxo. Faltava uma iniciativa original e hipermidiática como essa para fazer as pessoas do high pensarem por um minuto no valor da cozinha pobre, de restos, que é regra no low.

    alexandra forbes

    É jornalista gastronômica, 'foodtrotter' e autora de 'Jantares de Mesa e Cama'. Escreve aos domingos, a cada duas semanas.

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