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    Alexandra Forbes

    Luxo à mesa não garante nada

    24/06/2015 02h00

    No Joe Beef, em Montreal –meu restaurante favorito na América do Norte–, não há toalhas nas mesas e os garçons não vestem uniforme. Ao invés de imprimir menu, os pratos são escritos em lousas, assim como os vinhos. O ambiente, ruidoso e perenemente alegre, tem zero afetação. Parece –e é!– um bistrô de bairro, servindo ótimos bifes, queijos, fritas e saladas da horta própria.

    Na semana passada, refestelei-me ali com croquetes de peixe, aspargos com molho cremoso e um prato de presunto da casa finamente fatiado: tudo delicioso mas simplíssimo. Por isso chamou muito a atenção sua inclusão na influente lista dos "cem melhores restaurantes do mundo" publicada pela revista inglesa "Restaurant". A maioria dos lugares ranqueados servem menus-degustação super sofisticados em luxuosos salões.

    "Engraçado, né? É como se a gente tivesse entrado de bico em uma festa de gente rica e pudesse ser posto para fora a qualquer momento", escreveu o sócio-proprietário David McMillan no Instagram. Sublinhava a significância da entrada de um lugar tão descontraído em um ranking tão importante o fato de estarem na 81a posição, entre dois templos da alta gastronomia clássica: o Le Louis XV do chef Alain Ducasse (Mônaco) e, em 80o, o Daniel de Daniel Boulud (Nova York).

    Mas a verdade é que o próprio McMillan bem sabe que desde que o novaiorquino Momofuku Saam Bar –epítome do restaurante "rock'n'roll" e sem luxo algum –colocou-sem em 31o lugar no mesmo ranking, em 2009, salão e serviço cinco estrelas deixaram de ser exigência para sair-se bem colocado. Aliás, o Momofuku Ko, do mesmo dono, o chef David Chang, deu o que falar quando ganhou sua segunda estrela "Michelin", em 2008, também pelo fato de ser tão mais despojado do que o típico restaurante bi-estrelado.

    Um chef ou restaurateur investe em luxos como decoração, taças de cristal, toalhas engomadas, garçons de terno e gravata se quiser, mas já se sabe que hoje em dia isso tudo não é mais requisito. Nem para ter clientes felizes, nem para ganhar estrelas ou galgar posições em rankings.

    Além do Joe Beef, alguns dos restaurantes mais míticos do mundo, como o Faviken, na Suécia, o Etxebarri, no País Basco, e o Tickets, em Barcelona, também dão uma banana para o luxo e recebem ultra despojadamente. Em compensação, oferecem algo que o dinheiro não compra e que vai muito além da excelente comida que servem. São lugares que transportam-nos para o que por vezes parece quase um sonho, elevando o que seria um mero jantar para a categoria de "experiência inesquecível". Está aí a chave do sucesso: saber abrir as cortinas para um teatro onde cenário e personagens realçam e tornam mágico o que está no prato.

    alexandra forbes

    É jornalista gastronômica, 'foodtrotter' e autora de 'Jantares de Mesa e Cama'. Escreve aos domingos, a cada duas semanas.

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