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    Alexandra Forbes

    'A França está de volta!'

    22/07/2015 02h00

    No início do mês Yannick Alléno, chef-proprietário do Ledoyen, três-estrelas "Michelin" parisiense, passou três dias embrenhado na cozinha do D.O.M., enquanto Alex Atala estava em Nova York, "tomando conta" da cozinha de outro super-restaurante, o Blanca. Um projeto audaz chamado "The Great Gelinaz Shuffle" (o grande embaralhamento do Gelinaz) fez com que 37 grandes nomes da gastronomia mundial trocassem de restaurante por uns dias, aleatoriamente, culminando em 37 jantares, no dia 9.

    Alléno, que integra o trio de chefs mais estrelados e famosos da França –ao lado de Alain Ducasse e Joël Robuchon– arregaçou as mangas e trabalhou muito com a jovem equipe de Atala, inclusive desossando um monte de patos.

    A certa altura, uma cozinheira lhe perguntou se usara o Rotaval –engenhoca espanhola– para fazer seus molhos límpidos e intensos. "O que é isso?!", perguntou, sendo irônico (pois sabe muito bem do que se trata). Quis deixar claro que sua cozinha não precisa de técnicas alheias para ser boa. Esses molhos, ou extrações, como ele diz, têm sabor limpo e potentíssimo porque são extraídos a frio, através de centrifugação e congelamento. "A França está de volta, podem anotar!", exclamou.

    Entre cozinheiros, como entre os que vão muito a restaurantes gastronômicos, a França perdeu força há mais de década. Os nórdicos liderados por René Redzepi (do Noma, em Copenhague) e os espanhóis, encabeçados pelos irmãos Adrià (Tickets, Pakta, em Barcelona) e Roca (El Celler de Can Roca, em Girona), dominaram a cena nos últimos anos. Saíram em mais reportagens, estrelaram mais filmes, ascenderam ao topo de mais rankings.

    Entretanto, como quis sublinhar Alléno durante sua passagem por São Paulo (ele além de cozinhar fez palestra sobre suas impressionantes novas técnicas para grupo de jornalistas), não se pode esquecer que a França ainda tem sua importância, mesmo que esteja démodé.

    Quando anunciaram o troca-troca global de chefs, muitos torciam para que o sorteado para cozinhar no D.O.M. fosse Redzepi ou alguma outra estrela em voga (os nomes foram mantidos em segredo até a hora do jantar). Naquela noite, alguns no salão começaram a noite com uma pontinha de desapontamento. Durou pouco. Alléno maravilhou a todos com um menu brilhante, executado com a maestria técnica de um autêntico três-estrelas "Michelin".

    Serviu, entre outros pratos, uma "tucubouillabaisse" onde tucupi substituía o caldo tradicional de uma bouilabaisse, o peixe no ponto perfeito, a harmonia irretocável. Abrasileirou um pato à royal (uma das receitas mais icônicas da França, geralmente feita com lebre) casando-o com pupunha gratinado, em panelinhas à parte. Incorporou modernidade na medida justa, como na aloe vera (babosa) glaceada com mel de abelhas nativas. Ele, que iniciou a carreira como chef-pâtissier, arrematou com um desconcertante merengue de gergelim preto seguido de um mil-folhas de amêndoas, chocolate e avelãs de fineza e crocância impressionantes.

    Se a França está de volta, pelo menos midiaticamente, não tenho certeza. A desunião entre os maiores chefs, a resistência (ou incapacidade) em dialogarem nas mídias sociais e a violência com que se opõem ao prestigioso ranking dos 50 melhores restaurantes do mundo atrapalham muito. Países como Dinamarca, Espanha, México e Peru continuarão a dominar a cena por um bom tempo, aposto –por saberem se promover melhor.

    Mas está claro que Alléno –um virtuoso, defensor e representante-mór da alta cozinha francesa– mesmo não sendo o queridinho da vez, jamais sairá de moda. Modas ofuscam a realidade. E a realidade é que enquanto a França tiver seus Allénos, seguirá sendo uma potência e uma referência na gastronomia.

    alexandra forbes

    É jornalista gastronômica, 'foodtrotter' e autora de 'Jantares de Mesa e Cama'. Escreve aos domingos, a cada duas semanas.

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