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    Alexandra Forbes

    A agroindústria e o bem-estar animal

    14/10/2015 03h00

    Metade dos antibióticos vendidos nos Estados Unidos é administrada em animais, especialmente aqueles confinados em jaulas e gaiolas pela agroindústria, como profilaxia.

    Esses remédios podem passar para a carne, o leite e os ovos consumidos por humanos, e para seus corpos, tornando-se menos eficazes na hora de tratar doenças (as bactérias transformam-se para resistirem ao remédio ao qual que já foram expostas). Quem diz é o escritor e jornalista Mark Bittman, que depois de anos assinando uma coluna sobre comida no jornal "The New York Times" pediu as contas para dedicar-se em tempo integral à advocacia em prol de alimentos sãos.

    No Brasil, esse número não é divulgado, mas sabe-se que quase todo o gado toma antibióticos como profilaxia, em maior ou menor quantidade. Peixes de criatório, porcos e galinhas, mais ainda, porque, em sua maioria, vivem engaiolados em condições nada saudáveis e propensas ao alastramento de doenças.

    O desagradável tema da crueldade a que são submetidos esses bichos pela agroindústria –e os efeitos dos maus tratos no produto final que acaba na nossa cozinha– entrou em pauta há anos na América do Norte e na Europa mas aqui quase nunca é discutido.

    Chefs famosos vivem pregando o uso de ingredientes orgânicos, o consumo de carnes de animais criados soltos e sem remédios e peixes selvagens pescados com consciência, mas o discurso deles é como agulha no palheiro. Perde-se perante a monumental indústria alimentícia e seus números nos bilhões.

    A verdade é que mudanças significativas na maneira com que produzimos e consumimos comida só acontecem a força, quando os grandes players usam seu peso e influência.

    O melhor exemplo foi o anúncio do McDonald's americano, no mês passado, de que deixará a partir do ano que vem, gradualmente, de comprar ovos de galinhas criadas em gaiolas (cada uma passa a vida em um espaço equivalente a um papel tamanho A4).

    A rede de fast food consome 4% do total dos ovos produzidos nos Estados Unidos e no Canadá. A agroindústria será obrigada, portanto, a ouvir e fazer mudanças, instalando galinheiros mais cômodos e maiores.

    O Mc Donald's não faz mais do que seguir a tendência mundial. Além de banirem as gaiolas de galinhas, muitas empresas de alimentação nos Estados Unidos, inclusive Subway e Burger King, prometeram parar de comprar carne suína de produtores que criam as porcas nas chamadas gaiolas de gestação. Essas gaiolas de porcas foram banidas da União Europeia em 2013 e se tornarão ilegais no Canadá e na Nova Zelândia até 2017.

    O Brasil está atrasado e aqui mal se fala nesse assunto tabu. Algumas iniciativas fogem à regra. O Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) assinou acordo em novembro em que se compromete a ajudar suinocultores a melhorarem suas práticas e defasarem o sistema de gaiolas.

    O Walmart premia anualmente empresas que comprovem a implantação de medidas que minimizem os danos ao meio ambiente e/ou melhorem as condições de criação de animais.

    Como recompensa, os produtos premiados são promovidos, aumentando consideravelmente as vendas na rede de hipermercados.

    Um exemplo: a maionese Hellmann's, da Unilever Brasil, incentiva os fornecedores de óleo de soja certificado e os produtores de ovos de galinhas criadas soltas.

    Segundo o Walmart, a JBS, maior vendedora mundial de carne bovina –quem diria!– "atuou em toda a cadeia produtiva do hambúrguer bovino Friboi, com ações para melhoria do monitoramento socioambiental dos fornecedores de gado (...) e para adoção de cuidados visando o bem-estar animal".

    É um começo, mas a JBS, como outras gigantes da pecuária nacional, ainda tem muito o que melhorar. A empresa já foi impedida mais de uma vez de exportar por detectarem em lotes de carne quantidades de vermífugo acima do tolerado por países como Rússia e Estados Unidos.

    O tema, além de árido, envolve inúmeras outras variáveis –desde o fato de criações de gado contribuírem mais até do que carros, caminhões e aviões somados para o efeito estufa, pelo metano que soltam na atmosfera, aos milhares de quilômetros quadrados de floresta derrubados anualmente para fazerem pastos.

    Só que, enquanto o consumidor não se importar e a grande imprensa pouco reportar, nada vai mudar. Comer e comprar comida não são atos inconsequentes. Pense nisso na próxima vez que fritar ou ovo ou se deparar com uma geladeira repleta de carne industrializada no seu supermercado.

    alexandra forbes

    É jornalista gastronômica, 'foodtrotter' e autora de 'Jantares de Mesa e Cama'. Escreve aos domingos, a cada duas semanas.

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