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    Alexandra Forbes

    Não joga fora no lixo!

    10/07/2016 02h00

    Um tanto desgostosos, os franceses estão tendo que se acostumar à ideia de pedir um doggy bar no fim de um jantar quando sobra muita comida no prato. O "le doggy bag" —restos de uma refeição embalados para levar para casa— tornou-se obrigatório por lei em janeiro, resultado de uma longa batalha no Parlamento e um abaixo-assinado.

    Outra nova lei, em vigor desde fevereiro força supermercados a doarem alimentos descartados e/ou recém-expirados a instituições carentes.

    Mas a mentalidade da população ainda não mudou, diz o chef pluriestrelado Yannick Alléno, do Pavillon Ledoyen, em Paris. "Desde que passou a lei nenhum cliente pediu um doggy bag."

    A França lidera um movimento crescente contra o desperdício e já era tempo: 19% de todos os alimentos produzidos no país vão para o lixo.

    Nos Estados Unidos, o número sobe para até 40%! Países ricos e industrializados como esses são os que mais desperdiçam —quanto mais rico e desenvolvido, maior a tendência de a população dar pouco valor aos alimentos que compra ou recebe, deixando que estraguem.

    Joga-se fora também muito nos supermercados, inclusive alimentos recém-expirados mas perfeitamente sãos, e também no começo da cadeia alimentícia, quando fazendeiros veem frutas e legumes fora do padrão rejeitados.

    Mas são esses mesmos países com mais culpa no cartório que estão a frente das mais promissoras iniciativas de combate ao problema.

    O chef-celebridade inglês Jamie Oliver, fundador do programa Food Revolution, e a chef-ativista californiana Alice Waters, que fez uma horta orgânica na Casa Branca, lideram campanhas de conscientização das crianças nas escolas.

    Ensinando-lhes de onde vem aquilo que comem, e a diferença entre a comida feita do zero e a industrializada a nova geração aprende a dar valor.

    O expert em reciclagem Americano Jordan Figueiredo briga há anos para que o WalMart (que tem mais de 4.200 lojas no país) venda frutas e verduras imperfeitas. Ele pede, em um vídeo postado on-line: "Sim, a gente quer que vocês vendam produtos feios". E bota pressão coletando assinaturas em um abaixo-assinado (já passam de 120 mil).

    A mesma tática surtiu efeito com a rede de supermercados orgânicos Whole Foods, que no final de abril passou a vender sacos de legumes e verduras feios em algumas de suas lojas na Califórnia, a título de teste.

    No Brasil, onde cada um de nós gera em média um quilo de resíduo orgânico por dia, ainda engatinhamos. Pedir ao garçom para levar para casa o que restou no prato é tabu.

    Hotéis, restaurantes e empresas são proibidos pela vigilância sanitária de doarem aos pobres restos de bufês e alimentos não-aproveitados. Montanhas de comida acabam nos aterros, poluindo a atmosfera ao se decomporem.

    Iniciativas como a da jornalista Fernanda Danelon, cujo Instituto Guandu coleta duas toneladas de resíduos orgânicos por dia em São Paulo para fazer adubo orgânico são a luz no fim do túnel. "Minha missão é de fechar o ciclo do prato ao prato, e transformar o lixo em comida", diz.

    Danelon, além de reciclar restos orgânicos, promove as hortas urbanas coletivas, que multiplicam-se —já são 30 em São Paulo.

    A Ceagesp acaba de receber um prêmio por seu programa "Reduzindo o Desperdício", que distribui gratuitamente para 215 entidades frutas, verduras e legumes que não são vendidos por serem "fora de padrão", atendendo cerca de 300 mil pessoas na Grande São Paulo.

    E no dia 9 de agosto será inaugurado na Lapa carioca um refeitório popular onde chefs famosos irão cozinhar usando descartes dos restaurantes e banquetes olímpicos.

    Parceria entre o chef italiano Massimo Bottura e a ONG Gastromotiva, o ReffettoRIO, do qual sou co-organizadora, servirá jantares diariamente para a população carente do entorno até o fim da Paraolimpíada, em espaço cedido pela prefeitura.

    "Nós chefs temos a responsabilidade de ajudar a resolver o problema do desperdício", diz Bottura, cuja Osteria Francescana foi eleita em junho melhor restaurante do mundo.

    Tudo isso ainda é mera gota no oceano, mas de gota em gota há que se reverter a maré enquanto é tempo.

    alexandra forbes

    É jornalista gastronômica, 'foodtrotter' e autora de 'Jantares de Mesa e Cama'. Escreve aos domingos, a cada duas semanas.

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