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    Alexandra Forbes

    A boca começa nos dedos

    26/11/2017 02h00

    Raquel Cunha/Folhapress
    SAO PAULO - SP - 25.09.2014 - Eduardo Mandel, socio da Taqueria La Sabrosa mostra como se come um taco adobado, prato tipico da culinaria mexicana que só pode ser comido com as mãos.(Foto: Raquel Cunha/Folhapress, COMIDA) ***EXCLUSIVO***

    Não esqueço de quando me serviram, julho passado no Mugaritz, na Espanha, um miúdo tartare de ostra sobre uma bola de gelo do tamanho de um melão. Olhei para um lado e para o outro e nada de talheres.

    Abaixei a cabeça e schlééép! Chupei para dentro o bocado. Assim começou o menu-degustação em que serviços eram para ser comidos com as mãos —como o "bombom" gelado de ervas, flores e creme azedo e o véu de toucinho bovino servido sobre um osso. Meti o dedo na poça marrom apresentada num prato branco e levei à boca. Humm! Era um caldo concentrado, melado e espesso. Lambi o prato, literalmente.

    Foi uma experiência divertida, sensual e lúdica —e era esse efeito que buscava Andoni Aduriz, o chef-proprietário, ao banir talheres na maior medida possível. "Passamos muito tempo trabalhando com sociólogos, explorando as maneiras de se comer com o corpo", diz. "A boca começa nos dedos."

    Aduriz não inventou a roda. Grant Achatz, premiado chef americano, mais de década atrás, atraiu atenção de gastrônomos ao lançar em seu Alinea, em Chicago, em parceria com um designer de joias, uma linha de objetos que substituíam pratos. Um chamava-se antena, o outro, arco e assim por diante. Funcionavam como mostruários de comida, concebidos para forçar comensais a irem de encontro a ela, seja com os dedos, seja diretamente com a boca.

    Pense em petiscos de botequim ou cachorros-quentes de porta de estádio: estamos acostumados a comer com as mãos. No entanto, num restaurante gastronômico ou num jantar aquilo que é natural de repente parece grosseiro ou até nojento para muitos. Essa repulsa reflete costumes à mesa aprendidos com nossos pais e avós. Se tivéssemos sido criados na Índia ou na Etiópia, onde comer com as mãos é a regra, a ausência de talheres passaria despercebida.

    Para chefs como Aduriz e Achatz, a graça está justamente em quebrar preconceitos de clientes ocidentais, privando-lhes dos talheres com os quais se habituaram a comer. Esse tipo de provocação diverte uns e irrita ou desaponta outros, mas já não choca quem tem o costume de frequentar restaurantes gastronômicos, onde os bocados para se comer com as mãos vêm se tornando cada vez mais comuns.

    Nos cariocas Oro e Lasai, por exemplo, toda degustação se inicia com sucessões de pequenos snacks que dispensam talheres. E isso conta a favor: tocar, cheirar e sentir perto a comida aguça os sentidos e potencializa sabores.

    alexandra forbes

    É jornalista gastronômica, 'foodtrotter' e autora de 'Jantares de Mesa e Cama'. Escreve aos domingos, a cada duas semanas.

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