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    Alexandre Schwartsman

    Paladinos da estagflação

    22/05/2013 03h00

    Tenho afirmado, assim como outros economistas, que as pressões sobre a inflação vêm do mercado de trabalho, pois a atual escassez de mão de obra implica elevação dos salários nominais a um ritmo superior ao da expansão da produtividade, com consequências diretas para os preços.

    Com efeito, se o salário aumenta 10%, mas cada trabalhador consegue produzir 10% a mais, o custo por unidade produzida permanece inalterado; no entanto, o mesmo aumento salarial num ambiente em que a produtividade cresce apenas 1% implica elevação do custo por unidade da ordem de 9%.

    Esses números, a propósito, não são muito distantes dos observados recentemente no Brasil.

    Nos setores onde não há concorrência externa, a tendência é que preços sigam de perto a evolução do custo unitário e achamos sólidas evidências de que isso tem sido verdade, expressas, por exemplo, na elevada correlação entre estimativas de custos unitários e a inflação de serviços.

    Há quem argumente que essas pressões podem ser atenuadas pela expansão mais rápida do produto por trabalhador, mas provavelmente sem ter atentado para a magnitude da sua distância relativamente ao crescimento dos salários, muito menos se dado ao trabalho de estimar o comportamento dessa variável nos últimos anos.

    Caso tivessem, notariam que, mesmo no seu melhor momento, impulsionado pela recuperação cíclica de 2010, o produto por trabalhador não conseguiu se expandir mais do que 5%, e isso somente num solitário trimestre.

    À luz desses dados, não há alternativa realista para redução da inflação que não passe pela moderação dos aumentos salariais. Porém, se os salários sobem hoje em larga medida por conta do baixo desemprego, a conclusão é que esse nível de desemprego é incompatível com a inflação próxima à meta de 4,5%.

    Aqui aparece a pergunta inevitável: "Mas vale a pena elevar o desemprego para reduzir a inflação que, afinal de contas, está só 2 pontos percentuais acima da meta"?

    À primeira vista isso parece mesmo um despropósito. Vamos condenar alguns milhões de pessoas a perderem seus empregos apenas porque a inflação está um tanto mais alta?

    Ocorre que essa questão parte do pressuposto de que há uma troca estável e permanente entre inflação e desemprego e que, portanto, caberia ao governo, representante das preferências nacionais, escolher uma combinação de inflação e desemprego que deixasse a população o mais feliz possível. Essa suposição, porém, é falsa.

    Nos anos 60 e 70 houve países que tentaram conduzir exatamente esse tipo de política, com resultados lamentáveis, devidamente antecipados por economistas como Edmund Phelps e Milton Friedman.

    Ambos notaram que essa troca entre inflação e desemprego é possível exclusivamente no curto prazo, enquanto os trabalhadores e empresas não incorporam expectativas de inflação mais alta.

    A partir do momento em que essas expectativas se materializam em reivindicações de salários (e preços) mais elevados, os ganhos de emprego somem e só sobra a inflação mais alta. Apenas a aceleração não antecipada da inflação consegue novos (e temporários) ganhos.

    Essa dinâmica explica muito da combinação perversa de inflação e desemprego altos e crescentes ("estagflação") que assolou as economias desenvolvidas na segunda metade dos anos 70.

    Quando esses países finalmente acordaram para o problema, tiveram que passar por processos recessivos extremamente dolorosos para reduzir a inflação, gerando taxas de desemprego bem mais altas do que ocorreria caso o problema fosse tratado mais cedo.

    A lúgubre escolha não é, pois, entre desemprego e inflação, mas sim entre desemprego hoje e desemprego mais elevado amanhã.

    Com uma eleição a vencer e um BC submisso, não é surpreendente que a segunda alternativa seja a preferida por qualquer político.

    O triste é saber que não faltam economistas para justificá-la, apelando para a falácia de que a política é sempre o mais importante.

    alexandre schwartsman

    Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é
    doutor em economia pela Universidade da Califórnia.
    Escreve às quartas, semanalmente.

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