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    Alexandre Schwartsman

    Caçadores da credibilidade perdida

    22/01/2014 03h00

    O BC surpreendeu os analistas ao elevar a taxa Selic para 10,50% ao ano na semana passada, enquanto a projeção da maioria (e minha também) era 10,25% ao ano. Só não chegou a ser uma surpresa completa porque os preços prevalecentes às vésperas da reunião do Copom embutiam uma probabilidade grande (mas não a certeza) do aumento de meio ponto percentual.

    Com esse resultado, é bastante provável também que a Selic, ao final deste ciclo de aperto monetário, atinja 10,75% ao ano, o mesmo nível observado no início do atual governo, se não ainda um pouco mais elevada (talvez 11% ao ano).

    Descontadas as (elevadas) expectativas para a inflação nos próximos 12 meses, a taxa real de juros se encontra ao redor de 4,5% ao ano, bastante superior aos 2% ao ano estabelecidos pela presidente como objetivo para seu governo, mas insuficiente para domar a inflação, que teima em permanecer na casa dos 6% (ou mais).

    Precisamente em razão da resistência da inflação se espera que o BC seja forçado a um segundo ciclo de elevação da taxa de juros, devidamente passadas as eleições.

    Para um governo que se propôs a fazer o país crescer forte, com inflação na meta e juro de 2%, os resultados observados nos últimos anos (todos sabemos, mas vale repetir: crescimento medíocre, inflação alta e sendo forçado a voltar atrás no seu objetivo de juros) deveriam levar a uma reflexão profunda acerca dos rumos de política econômica. Como não há a menor chance de que isso ocorra, ofereço as minhas ponderações, sem, é claro, nenhuma esperança de que sirvam para o aprendizado dos (ir)responsáveis de plantão.

    Conforme alertei quando o BC promoveu o "cavalo de pau" na gestão da política monetária, em agosto de 2011, a redução na marra das taxas de juros nos custou muito. Mesmo com o "apito amigo" (a mudança no cálculo do IPCA, que reduziu o índice em 0,7% em 2012 e, mais recentemente, os controles dos preços administrados), a inflação não convergiu à meta. Pelo contrário, a tendência tem sido de aceleração.

    Ademais, ao continuar reduzindo taxas de juros com a inflação em alta, o BC conseguiu demolir a credibilidade conquistada em anos anteriores. As expectativas de inflação, que antes se agrupavam ao redor da meta, hoje se situam confortavelmente acima dela, algo como 1,5 ponto percentual em 2014 e 1 ponto percentual no ano que vem. Apenas esse desenvolvimento já forçaria o BC a trabalhar com uma taxa de juros entre 1 e 1,5 ponto percentual a mais do que seria requerido caso tivesse mantido as expectativas sob controle, mas o impacto não se
    encerra aí.

    Ninguém sabe o valor preciso, mas estima-se que, para trazer a inflação de volta à meta (e apenas ao fim de 2015), o BC teria que elevar a Selic para mais de 12% anuais ainda no primeiro semestre deste ano. Em contraste, se tivesse feito seu trabalho quando havia tempo e credibilidade para tal, hoje muito provavelmente poderia manter a Selic abaixo de 10% ao ano com a inflação controlada.

    Não o fez por subserviência a um governo voluntarista que acredita dominar todos os botões necessários para controlar o funcionamento da economia, da taxa de juros ao retorno requerido pelos empresários na operação dos seus negócios, passando, é claro, pela taxa de câmbio "Cachinhos de Ouro", nem quente o suficiente para acelerar a inflação nem fria o bastante para desestimular a indústria nacional.

    Diante do fracasso retumbante de sua política, o BC tenta, tardiamente, recuperar a credibilidade perdida. No entanto os limites à sua ação ficam claros na própria comunicação aos mercados. Ao sugerir que sua atitude mais dura se limita ao atual momento e evitar um compromisso mais forte com a meta de inflação, o BC revela não dispor da autonomia para fazer o necessário no campo da política monetária.

    Da mesma forma que em 2011, tal política ainda há de nos custar caro, mas certas lições parecem nunca ser aprendidas.

    alexandre schwartsman

    Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é
    doutor em economia pela Universidade da Califórnia.
    Escreve às quartas, semanalmente.

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