• Colunistas

    Saturday, 18-May-2024 20:32:59 -03
    Alexandre Schwartsman

    Desperdício

    09/07/2014 02h00

    O Banco Central anunciou a continuação de seu programa de intervenção sobre a taxa de câmbio iniciado em agosto do ano passado. Naquele momento o Federal Reserve emitira os primeiros sinais que poderia alterar sua política, perspectiva que elevou o rendimento dos títulos de dez anos do Tesouro norte-americano para quase 3% ao ano, fortalecendo o dólar relativamente às demais moedas, entre elas o real.

    Em resposta à elevação do dólar, que chegou a valer quase R$ 2,45, o Banco Central passou a intervir nos mercados futuros de câmbio. A justificativa para a intervenção, apesar do regime de câmbio flutuante, era a necessidade de prover proteção ("hedge") aos agentes econômicos, assegurando que o Banco Central não tinha um objetivo no que diz respeito ao nível da taxa de câmbio, mas que procurava apenas reduzir sua volatilidade.

    Desde então, a taxa de câmbio passou quase 90% do tempo no intervalo de R$ 2,20 a R$ 2,40, resultado que pode tanto sinalizar sucesso na moderação da volatilidade como a adoção implícita de uma banda cambial naquele intervalo, isto é, um dólar nem tão barato que prejudique as contas externas nem tão caro que ameace o já precário controle da inflação.

    Já eu estou convencido que a segunda hipótese oferece uma explicação melhor do que se passa no mercado brasileiro de câmbio.

    Houve, é claro, redução expressiva da volatilidade. No período entre agosto e setembro do ano passado, essa chegou a ficar algo como duas vezes superior à sua média histórica recente; já nos últimos meses tem ficado em torno da média, fenômeno que a análise mais apressada tenderia a atribuir à intervenção do BC.

    Ocorre que outras moedas sul-americanas, notadamente as da Colômbia, do Peru e, em menor medida, do Chile, passaram por processo semelhante, tanto a elevação da volatilidade em relação a seu padrão histórico no terceiro trimestre de 2013, como a reversão à média no segundo trimestre deste ano. E, é bom notar, não houve nestes países intervenção tão pesada como a promovida pelo BC, que vendeu no período pouco mais de US$ 90 bilhões no mercado futuro.

    Tal fato sugere, portanto, que a volatilidade excessiva, motivo alegado pelo BC para iniciar o processo de intervenção, já não é tão sério quanto foi no terceiro trimestre do ano passado. Ainda assim o BC se decidiu pela continuação do programa, cujo anúncio chegou a levar a taxa de câmbio brevemente abaixo dos R$ 2,20/US$.

    Isso sugere que, a despeito de eventuais protestos de lealdade por parte do Banco Central ao regime de taxas flutuantes, não é o excesso de volatilidade que o induz a intervir no mercado de câmbio. Pelo contrário, por mais que não admita isto publicamente, fica claro que o Banco Central tem, sim interferido, para manter o real dentro de patamares que julga confortáveis.

    E "conforto" nas condições atuais significa essencialmente manter a taxa de câmbio em níveis que o Banco Central acredita serem compatíveis com o controle da inflação, aqui entendido como a manutenção desta pouco abaixo do limite superior do intervalo de tolerância ao redor da meta (que, não esqueçamos, é 4,5%).

    Dado que o BC abriu mão da política monetária –muito embora suas próprias projeções sugiram inflação próxima ao teto da meta nos próximos 12 a 15 meses–, só lhe resta administrar a taxa de câmbio para tentar evitar que até mesmo este limite seja ultrapassado, ainda que para isto tenha que vender mais US$ 25 bilhões a US$ 30 bilhões até o fim deste ano.

    Isso dito, como o próprio BC parece (ou deveria) saber, há o risco da calmaria na frente externa ser temporária, em particular caso a recuperação americana seja mais forte do que hoje se imagina.

    A munição hoje empregada para manter a taxa de câmbio artificialmente valorizada, e assim atenuar os riscos inflacionários, poderá fazer falta num cenário de maior turbulência no mercado global de câmbio, mas pensar lances à frente não é o forte deste BC.

    alexandre schwartsman

    Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é
    doutor em economia pela Universidade da Califórnia.
    Escreve às quartas, semanalmente.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024