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    Alexandre Schwartsman

    Tirocínio mínimo

    07/01/2015 02h00

    Como sempre, a presidente não desperdiçou a chance de perder uma oportunidade. Ao publicamente advertir seu recém-empossado ministro do Planejamento acerca das mudanças nas regras que determinam o reajuste anual do salário mínimo, ela conseguiu a proeza de cometer erros econômicos e políticos absolutamente primários.

    De acordo com a norma vigente, o salário mínimo é reajustado pela inflação do ano anterior (medida pelo INPC, o "irmão pobre" do índice oficial de inflação, o IPCA), combinada ao crescimento do PIB de dois anos atrás.

    Por exemplo, o INPC de 2014 deve ter atingido em torno de 6,2%, enquanto o crescimento do PIB de 2013 ficou em 2,5%. Assim, o reajuste do mínimo foi acertado (provisoriamente, pois ainda precisamos saber o INPC de dezembro) em 8,8%, o que o trouxe de R$ 724 para R$ 788 por mês.

    A regra atual implica, portanto, aumento do salário mínimo persistentemente acima da inflação (o crescimento do PIB pode ser negativo, mas, na prática, quando isso ocorre, o reajuste fica igual à inflação), o que, aliás, se observa desde a estabilização da economia, em 1994. No governo FHC, o mínimo aumentou 4% ao ano acima da inflação, enquanto nos governos Lula e Dilma esse ganho atingiu 4,8% ao ano. De 1994 para cá, portanto, houve aumento real superior a 140%.

    O problema, no caso, é que boa parte do gasto federal está de alguma forma ligada à evolução do mínimo, em particular as despesas previdenciárias. Estima-se que a cada 10% de aumento do mínimo os gastos subam cerca de R$ 25 bilhões ao ano (0,5% do PIB), ou seja, em 2015 a elevação já definida adiciona algo como R$ 22 bilhões (0,4% do PIB) às despesas federais.

    À luz disso, qualquer economista que tenha estudado as contas públicas sabe que a política de aumento persistente do salário mínimo acima da inflação é insustentável.

    O atual ministro do Planejamento –que aparentava desconhecer o problema enquanto esteve na equipe de Guido Mantega– parece ter finalmente se convencido de sua relevância. Daí seu anúncio, rapidamente desmentido, sobre as alterações das regras atuais.

    No entanto, a bronca presidencial pública parece não ter considerado uma série de questões.

    A mais óbvia diz respeito à autonomia da equipe econômica. Como já tive oportunidade de explorar neste espaço, a única forma de a presidente persuadir o público de que não pretende manter a desastrosa "nova matriz macroeconômica" requer uma equipe que não se sujeite ao papel de marionetes, como foi o caso do primeiro mandato. Há dúvidas consideráveis a esse respeito (eu, por exemplo, sigo longe de convencido), e o episódio da bronca apenas adiciona ao clima de incerteza. Isso implica custos mais elevados em termos de produto para ajustar a economia.

    Não bastasse isso, as regras vigentes já resultariam numa elevação muito modesta do mínimo em 2016 e em 2017, pois o crescimento do PIB em 2014 e 2015 deve ser muito baixo, conforme expresso na versão mais recente da pesquisa Focus do BC, que sugere expansão de 0,15% e 0,50%, respectivamente.

    Posto de outra forma, a presidente diminuiu de graça a estatura de seu ministro, pagando um custo elevado em termos de credibilidade em troca da sugestão de manter uma política que implicaria ganho real do mínimo inferior a 1% nos próximos dois anos.

    É compreensível que a presidente esteja na defensiva após ter quebrado as promessas de não mexer nos direitos trabalhistas ("nem que a vaca tussa"), mas isso não é desculpa para ter incorrido em erro tão elementar.

    Nesse aspecto, é revelador que a presidente não pareça ter refletido sobre a melhor resposta a um problema que, no final das contas, seria trivial em face das circunstâncias esperadas. Ela ainda não caiu em si sobre a enormidade da tarefa que enfrenta e segue tentada a manter a atitude centralizadora, deixando pouco espaço para sua nova equipe formular o ajuste necessário. Um péssimo sinal sobre o que nos aguarda à frente.

    alexandre schwartsman

    Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é
    doutor em economia pela Universidade da Califórnia.
    Escreve às quartas, semanalmente.

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