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    Alexandre Schwartsman

    Os outros

    11/03/2015 02h00

    "E esse dólar, hein?"

    Não há como escapar dessa pergunta. É natural: nas últimas semanas, a moeda norte-americana andou quase R$ 0,40, um desempenho que não víamos desde o fim de 2008, ainda no olho do furacão da crise internacional. Também é a primeira vez desde 2004 que o dólar ultrapassa a marca de R$ 3,00, trazendo lembranças amargas de tempos de crise.

    É bom que se diga, porém, que, ao menos em parte, a força do dólar aqui dentro é o reflexo da sua pujança lá fora. Há aproximadamente um ano era necessário US$ 1,40 para comprar € 1; agora, o euro
    já sai bem mais em conta para os norte-americanos, um pouco menos de US$ 1,10.

    Obviamente, quando o dólar se fortalece contra todas as moedas, graças aos sinais cada vez mais claros de recuperação dos Estados Unidos (cadê a crise, presidente?) e, portanto, da proximidade da elevação da taxa de juros por lá, ele também ganha terreno na comparação com o real.

    Da mesma forma preços de commodities têm caído (o petróleo, por exemplo) e estão de 15% a 20% mais baixos que os observados há um ano, fenômeno que também contribuiu para enfraquecer o real, tendo em vista o peso das commodities na nossa pauta de exportação.

    Isto dito, embora seja importante destacar os fenômenos internacionais no enfraquecimento do real diante do dólar, a verdade é que estão longe de explicar todo o movimento observado no período mais recente. A perda de valor da nossa moeda reflete também em larga medida os problemas vividos pelo país, cuja aceleração tem sido notável.

    Do lado fiscal o governo conseguiu não apenas destruir o superavit primário como registrou o maior deficit fiscal desde 1998, trazendo a dívida pública para mais de 63% do PIB.

    O resultado disso é que nosso prêmio de risco –o tanto a mais de juros que pagamos relativamente a um título norte-americano do mesmo prazo– dobrou, de 1,25% ao ano para 2,5% ao ano. Caiu, portanto, o apetite por ativos brasileiros (e o "Petrolão" contribui bastante para isso), o que ajudou a desvalorizar o real.

    Além disso, registramos deficit superior a 4% do PIB nas transações com o exterior, o maior desde 2001. Sim, a queda dos preços das commodities desempenhou papel importante no processo, mas é precisamente por isso que o enfraquecimento do real, natural sob tais circunstâncias, teria servido para atenuar essa piora.

    No entanto, o Banco Central vem desde meados de 2013 intervindo com mão pesada no mercado de câmbio. Justifica-se tal política como forma de "reduzir a volatilidade", mas não há quem não saiba que foi adotada com outro fim: segurar a inflação, visto que o BC sempre relutou em usar a taxa de juros para isso, por convicção, ou submissão, tanto faz.

    O resultado dessa aventura foi retardar a correção do valor da moeda, que já era requerida pelo menos desde o final de 2013. A estranha combinação de baixíssimo crescimento em 2014 com o maior deficit externo em 13 anos sugere que o real esteve mais valorizado do que deveria ao longo do ano passado, por causa e culpa da intervenção do BC.

    Diante, porém, das forças globais e da deterioração local, ficar na frente do dólar é uma tolice. Não apenas porque se trata de processos a que naturalmente seria muito custoso resistir mas principalmente porque o encarecimento do dólar é parte da solução; não do problema.

    O problema, do ponto de vista doméstico, está na fraqueza da economia, na incapacidade de recuperar as contas públicas e na crise política que se abre na esteira do Petrolão. Sem que isso seja solucionado, o dólar há de permanecer caro.

    Lutar para segurar o dólar nessas circunstâncias irá apenas adicionar às perdas bilionárias já incorridas. Ao BC cabe deixar a moeda flutuar e tomar conta da inflação; à Fazenda, melhorar o desempenho fiscal. Trata-se, em outras palavras, de remontar o tripé macroeconômico, cujo desmonte foi crucial para nos trazer à crise de hoje. Culpar os outros não vai ajudar.

    alexandre schwartsman

    Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é
    doutor em economia pela Universidade da Califórnia.
    Escreve às quartas, semanalmente.

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