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    Alexandre Schwartsman

    A ata como ela é

    18/03/2015 02h00

    Cerca de uma semana depois de o Copom (Comitê de Política Monetária) definir a taxa básica de juros é divulgada a ata da sua reunião. Trata-se de documento escrito em idioma remotamente aparentado do português, em que os membros do Copom apresentam os argumentos que justificam sua opção.

    Veja, por exemplo, o seguinte trecho: "O Comitê considera ainda que, desde sua última reunião, entre outros fatores, a intensificação [dos] ajustes de preços relativos na economia tornou o balanço de riscos para a inflação menos favorável para este ano".

    Na língua de Camões, diríamos que o dólar mais caro e o aumento dos preços administrados, que haviam sido represados até o ano passado, somaram-se aos desequilíbrios que já existiam e devem fazer com que a inflação em 2015 fique ainda mais alta do que o BC imaginava anteriormente.

    Se nesse trecho, porém, é possível depreender o que se passa na cabeça dos diretores do BC, em outros a linguagem obscura serve apenas para mascarar a falta do que dizer ou, ainda pior, a relutância em admitir com todas as letras a magnitude da enrascada em que o Copom se meteu.

    Não por outro motivo recebi sugestão mais que interessante de Isaías Coelho: como seria a ata de uma autoridade monetária transparente e cidadã?

    É um exercício difícil, até porque –é bom confessar– já estive do lado de lá (faz tempo!) e sei das dificuldades de ser muito claro acerca de coisas de que não se tem assim tanta certeza. Isto dito, meu público hoje é outro e bem que vale a tentativa.

    Assim sendo, a ata transparente e cidadã soaria da seguinte forma:

    "A inflação está bem mais alta do que projetávamos no fim do ano passado. Esperávamos que ficasse acima do teto permitido pelo regime de metas, 6,5%, mas, para não pegar muito mal, cozinhamos a projeção para ficar em 6,1%.

    Agora não há mais como sustentar esse número. Com o que já ocorreu, mais o que virá em março, a inflação do primeiro trimestre deve ficar na casa de 3,8% (prevíamos 2,2%). Só isso já basta para mandar nossas previsões de inflação em 2015 acima de 7,5% e, vamos ser sinceros, algo entre 8% e 8,5% parece bastante provável.

    Fora isso, perdemos o controle das expectativas. Ninguém mais acredita que será possível entregar a inflação na meta em 2016, apesar das nossas promessas e, para falar a verdade, talvez por causa delas, pois temos prometido inflação na meta 'no ano que vem' pelo menos desde 2011, sem conseguir cumprir, é claro.

    Comemoramos que as expectativas para 2016 tenham caído um pouco, mas ainda estão em 5,6%, bem acima dos 4,5%, de modo que teremos que subir ainda mais a Selic, não só nesta reunião mas também na próxima.

    Nossa vontade, porém, é parar de subir juros. O país já cresce pouco, e mesmo o desemprego, que ainda está baixo, dá sinais que vai voltar a se elevar neste ano. Apesar disso, os salários ainda crescem muito acima da produtividade e, sem dar conta desse problema, não iremos nunca fazer com que a inflação convirja para a meta. Isto é, teremos que conviver com desemprego mais alto para reduzir a inflação, mas há restrições políticas a isso.

    Torcemos para que o Joaquim consiga, ao menos em parte, o que o Guido prometeu e jamais entregou: uma melhora das contas públicas que tire um pouco do peso da tarefa de controlar a inflação das nossas costas. Como a torcida é grande, queremos parar de subir a Selic mesmo antes de saber se o Joaquim cumprirá a promessa.

    O dólar pode atrapalhar também, mas vamos fingir que não.

    Assim, se tudo ocorrer da melhor maneira possível, a inflação cai em 2016. Não deve chegar nem perto de 4,5%, mas, se for menor que 6,5%, está bom demais. Assim, pretendemos parar em abril. Se não der em abril, então em junho.

    No fim do ano, vamos ver como as coisas andam. Caso fique mesmo com cara de inflação abaixo de 6,5% em 2016, voltaremos a cortar juros; se não, o bicho pega. Igual a todos os outros anos".

    alexandre schwartsman

    Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é
    doutor em economia pela Universidade da Califórnia.
    Escreve às quartas, semanalmente.

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