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    Alexandre Schwartsman

    Além do horizonte

    06/05/2015 02h00

    O ministro da Fazenda estabeleceu como meta fiscal para este ano um superavit primário na casa de R$ 66 bilhões para o conjunto do setor público (União, Estados, municípios e empresas estatais).

    Ao fim do primeiro trimestre, porém, período em que tipicamente se acumula pouco mais de um terço do resultado anual, o saldo primário atingiu apenas R$ 19 bilhões, inferior ao necessário para chegar à meta e também o pior desempenho nos primeiros meses do ano desde 1998.

    É verdade que parte das medidas propostas para a melhora das contas públicas ainda não havia entrado em vigor naquele momento, como também parece ter havido esforço no sentido de "limpar" a contabilidade, reconhecendo despesas que, de fato, haviam ocorrido no ano passado. Ainda assim, à vista do observado até agora, há riscos ponderáveis de descumprimento da meta.

    Em condições como as que vigoravam há alguns anos, a geração de saldos na casa de R$ 16 bilhões por trimestre não seria um grande desafio. No entanto, as condições mudaram, e para pior. Medidas a preços de hoje, as despesas correntes do governo federal –para as quais há informação atualizada– saltaram de R$ 822 bilhões em 2010 para R$ 1,012 trilhão no ano passado, aumento de R$ 190 bilhões.

    Ao analisarmos as contas do governo federal no primeiro trimestre, entretanto, observamos que não houve nenhuma redução das despesas correntes; pelo contrário, estas cresceram R$ 5,4 bilhões. A modesta queda do dispêndio total se deu pelo corte do investimento, reduzido em R$ 7 bilhões.

    Isso não é novidade. Qualquer analista das contas públicas brasileiras sabe que, em face da enorme rigidez orçamentária, o aumento da despesa corrente é virtualmente impossível de ser revertido em prazos curtos. Assim, a irresponsabilidade fiscal dos últimos quatro anos impõe um custo enorme hoje: sem poder reduzir a despesa corrente, hipoteca-se o futuro.

    Isso deve ser lançado na conta do ex-ministro da Fazenda e de seu secretário do Tesouro, sem dúvida, mas se trata principalmente de débito da presidente, que não apenas assistiu de camarote à piora expressiva das contas públicas como foi também mentora "intelectual" desse processo. As dificuldades do presente são reflexo do passado.

    A lição, contudo, não foi aprendida. Não faltam representantes da mesma escola que nos colocou nessa situação, mais do que delicada, para pontificar sobre os custos do ajuste fiscal, que, convenhamos, está longe de ser o mais audacioso da história do país.

    Na cabeça desses economistas, a imensa expansão fiscal dos últimos anos, que transformou superavit primários de mais de 3% do PIB em deficit de 0,6% do PIB, parece jamais ter acontecido. Nem o salto da dívida pública, de 52% para 62% do PIB, é motivo de qualquer preocupação.

    Para atacar esses temas, é preciso ir além da gestão de caixa. Temos que retomar propostas de ajuste de longo prazo que permitam reduzir de forma permanente o gasto, em vez de preparar o terreno para nova rodada de aumentos de impostos. O desafio é claro; o que não é clara é a disposição do governo para enfrentá-lo.

    alexandre schwartsman

    Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é
    doutor em economia pela Universidade da Califórnia.
    Escreve às quartas, semanalmente.

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