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    Alexandre Schwartsman

    O nome da rosa

    03/06/2015 02h00

    Parece que ficou barata a queda do PIB divulgada na sexta-feira passada: apenas 0,2% na comparação com o quarto trimestre de 2014 (e 1,6% inferior ao registrado no primeiro trimestre do ano passado), ante um consenso de mercado de -0,5%.

    É, contudo, uma impressão errônea. Um olhar mais detalhado para as entranhas das estimativas, indo além do número do PIB em si, revela um quadro preocupante.

    A começar porque a demanda interna mostrou retração bem mais acentuada do que o produto: -1,4% relativamente ao fim do ano passado e -2,4% sobre o mesmo período de 2014, refletindo quedas expressivas do consumo e do investimento. Este último, em particular, registrou sua sétima contração consecutiva (-1,3%) e se encontra agora mais de 8% abaixo do pico observado no segundo trimestre de 2013.

    Medido como proporção do PIB, o investimento atingiu 19,6%, o mais baixo desde 2009, ainda sob os efeitos da crise financeira internacional, e pouco mais de um ponto percentual inferior ao registrado no início de 2011. A queda, é claro, não vem de hoje.

    Ao contrário, a relação entre investimento e PIB cai de forma consistente desde 2011, não por coincidência exatamente no período em que vigorou no país a "nova matriz macroeconômica", aclamada por heterodoxos de todos os matizes, que deveria -de acordo com nossos "keynesianos de quermesse" –nos levar ao nirvana do crescimento sustentado mais rápido.

    Segundo as crenças desse pessoal, a redução das taxas de juros, doses maciças de crédito subsidiado e a escolha "judiciosa" dos setores beneficiados pelos recursos públicos fariam com que o investimento se expandisse à frente do PIB. Em consequência, o crescimento do país se aceleraria, um círculo virtuoso que nos conduziria a novas fronteiras.

    Não poderia ser maior a diferença entre intenção e gesto. A redução do investimento comprometeu adicionalmente nossa já baixa capacidade de crescimento. Há evidências, além disso, de desaceleração da produtividade.

    De fato, embora uma interpretação literal dos dados possa sugerir que tenha ocorrido queda do produto por trabalhador, uma visão mais equilibrada, que dá mais ênfase às tendências do que ao último número divulgado, indica que a produtividade ainda cresce a cerca de 1% ao ano. Trata-se, no entanto, de ritmo inferior ao observado entre 2004 e 2008, na casa de 2% ao ano.

    Ambos os desenvolvimentos, menor investimento e expansão mais fraca da produtividade, são motivos de apreensão.

    Ainda que a retração provável do PIB neste ano gere capacidade ociosa, que permitiria alguma retomada nos próximos anos, esta será necessariamente curta e pouco vigorosa, caso não haja recuperação da produtividade e do investimento.

    Nesse sentido, sinais de redução da poupança não são auspiciosos. O Brasil permanece como um dos poucos países em que o consumo do governo supera, com folga, o investimento.

    Sob tais circunstâncias, a elevação do investimento acaba colidindo com a necessidade de manter as contas externas em boa forma. Um ajuste fiscal que leve isso em conta deveria manter seu foco na redução do consumo público, em vez de novos aumentos de impostos. Se não resolvermos esse desafio, o crescimento pode até retornar, mas seguirá medíocre como nos últimos anos.

    alexandre schwartsman

    Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é
    doutor em economia pela Universidade da Califórnia.
    Escreve às quartas, semanalmente.

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