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    Alexandre Schwartsman

    Razões da estagnação industrial

    10/06/2015 02h00

    A produção industrial caiu 6% nos dois últimos trimestres. Esse desempenho não levanta nenhuma pergunta intelectualmente estimulante. Num país em que consumo e investimento têm caído, enquanto as exportações industriais seguem fracas, qualquer sinal de vida manufatureira deveria ser saudado como um autêntico milagre.

    Bem mais interessante (e muito mais relevante para o que nos espera), porém, é entender o motivo da virtual estagnação do setor entre o fim de 2010 e meados de 2014. À parte flutuações relativamente modestas da produção, a verdade é que o nível observado no meio do ano passado é praticamente indistinguível do registrado quatro anos antes.

    Não foi por falta de medidas para estimular a demanda, adotadas com o fim explícito de reverter a estagnação industrial. Além dos incentivos ao consumo em geral, a "nova matriz macroeconômica" se caracterizou por um conjunto de políticas que privilegiou o setor.

    Desoneração tributária, créditos subsidiados, expansão do gasto público, redução da taxa de juros e, entre 2011 e meados de 2013, forte intervenção no mercado de câmbio no sentido de enfraquecer o real diante do dólar foram os principais instrumentos utilizados para esse fim, sem nenhum sinal de sucesso.

    Ainda que se possa discutir se as coisas teriam sido ainda piores na ausência dessas políticas, parece claro que há mais por detrás do medíocre desempenho industrial do que a suposta fraqueza da demanda, seja doméstica, seja externa.

    Houve, em particular, um desenvolvimento que parece ter afetado de forma negativa o setor e do qual se fala muito pouco. Dados do IBGE revelam que os salários reais pagos na indústria, em particular na indústria de transformação, têm superado persistentemente o crescimento do produto por hora trabalhada ("produtividade"), ao menos desde o final de 2010.

    Caso salários aumentem, digamos, 10%, mas cada trabalhador gere também 10% adicionais, o custo do trabalho por unidade produzida ("custo unitário do trabalho", CUT) ficaria inalterado. Quando, porém, o salário real cresce à frente da produtividade, o CUT sobe, reduzindo a competitividade e, portanto, as margens do setor. Segundo nossas estimativas, o CUT, depois de cair 5% entre 2001 e 2010, aumentou 16% desde então.

    Em trabalho recente com Henrique Daniel, estimamos que algo como 40% do desempenho da indústria pode ser explicado pelo comportamento do CUT, que se configura como seu principal determinante, à frente da demanda interna e das exportações (e preços) de produtos manufaturados, bem como da taxa de câmbio.

    Posto de outra forma, as políticas de estímulo à demanda no contexto de uma economia operando próxima ao pleno emprego levaram a aumentos salariais incompatíveis com a expansão da produtividade na indústria, ou seja, à elevação desmesurada do CUT e, ironicamente, à estagnação industrial. Tais políticas resultaram da incompreensão acerca da natureza do processo acima descrito.

    Se nosso diagnóstico estiver correto, a recuperação da indústria passará, inicialmente, pela queda do salário real e, mais à frente, pelo aumento da produtividade. Sem isso, políticas de expansão da demanda voltarão a bater em velhas barreiras, sem condições de promover o desenvolvimento industrial no país.

    alexandre schwartsman

    Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é
    doutor em economia pela Universidade da Califórnia.
    Escreve às quartas, semanalmente.

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