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    Alexandre Schwartsman

    O 1º milhão a gente nunca esquece

    24/06/2015 02h00

    Nesta semana o Conselho Monetário Nacional decidirá sobre a meta de inflação para 2017. Muito embora deva provavelmente mantê-la em 4,5%, há quem defenda sua redução, talvez (e paradoxalmente) casada com uma elevação da meta para 2016. A ideia é dar um tanto de folga para o aperto de juros neste ano, mas sem comprometer as expectativas de inflação, já que a meta mais baixa para 2017 sinalizaria a continuidade do esforço à frente.

    Em outras circunstâncias a redução da meta seria uma boa ideia; nas condições de hoje possivelmente não.

    Para entender o problema imagine um Banco Central muito diferente do atual, que costume entregar a inflação na meta, de modo que a melhor aposta para a inflação num dado ano seja sempre a própria meta. O que ocorreria caso esta fosse reduzida de 4,5% para 3,5% dois anos à frente?

    Face ao histórico favorável, as expectativas para 2017 cairiam de 4,5% para 3,5%. Afinal de contas, trata-se de instituição que tem dado mostras de responsabilidade nessa área.

    Isto dito, empresas e trabalhadores, ao formarem preços e salários em 2016, sabedores da provável queda da inflação em 2017, não deveriam manter seus reajustes na casa de 4,5%, mas incorporariam expectativas mais baixas em preços e salários já no próximo ano. A inflação tenderia, portanto, a cair em 2016 por causa deste efeito, o que permitiria uma política monetária menos apertada e maior crescimento naquele ano.

    Curiosamente, pois, no caso de um BC com reputação impecável, a redução da meta de inflação abriria espaço para queda temporária da taxa de juros e crescimento acima do potencial, por período igualmente restrito. As chaves para este resultado surpreendente são o comportamento das expectativas de inflação (no caso em queda), bem como seu peso na determinação da inflação corrente (moderando reajustes de preços já no período anterior à mudança).

    Tais resultados, é bom notar, ainda seriam em larga medida válidos caso a inflação passada tivesse algum efeito sobre a inflação corrente: a taxa de juros seria mais baixa do que a que vigoraria sem a mudança da meta e o crescimento mais alto do que o observado no caso da meta inalterada, também desafiando o senso comum.

    A hipótese crucial para que isto ocorra, como podem imaginar, é a reputação impecável do BC, ou seja, seu feito de manter a inflação flutuando próxima à meta.

    Não é necessário grande esforço, porém, para concluirmos que esta descrição dificilmente se aplicaria ao Banco Central dos últimos anos. Sob sua atual direção a inflação atingiu, em média, 6,2% ao ano, apesar de controles de preços administrados e da mudança na metodologia de cálculo do IPCA em 2012, que fez a inflação daquele ano atingir 5,84% ante 6,54% caso o índice tivesse permanecido o mesmo.

    Nestas circunstâncias, a prioridade deveria ser atingir a meta para começar a reconstruir a reputação abalada, e não brincar com números para tentar convencer as pessoas que, daqui para frente, tudo vai ser diferente.

    Na verdade, esta iniciativa me lembra de um amigo de mercado financeiro que me disse certa vez buscar seu segundo milhão de dólares, "porque o primeiro eu jamais vou conseguir". O BC, ao contrário, deveria se preocupar em ganhar seu primeiro milhão; o segundo seria apenas consequência.

    alexandre schwartsman

    Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é
    doutor em economia pela Universidade da Califórnia.
    Escreve às quartas, semanalmente.

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