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    Alexandre Schwartsman

    Moros

    01/07/2015 02h00

    Não deixa de ser irônico que, apesar do enredo algo novelesco, a crise grega tenha adquirido ares de tragédia, principalmente pela sensação de inevitabilidade quanto a seu desfecho.

    Assim como Édipo, que, ao fugir da maldição que assolou a dinastia dos Labdácidas, precipitou os acontecimentos que buscava evitar, as ações dos últimos anos acabaram conduzindo à atual situação, com o país virtualmente expulso da moeda única e condenado a uma recessão ainda mais severa.

    A "maldição" original é clara. Hoje sabemos que a Grécia não tinha condições de se juntar à zona do euro. Suas finanças estavam em condições muito piores do que sugeriam os números apresentados à época, mais um caso de "contabilidade criativa" de dar inveja a outros governos que conhecemos.

    As instituições gregas também eram muito mais frágeis do que as da maioria dos seus parceiros da zona do euro, o Estado presa de toda sorte de interesses particulares, do "capitalismo de compadres" ao clientelismo mais aberto.

    Sob essas circunstâncias, a adoção da moeda única era acidente esperando para acontecer. E ocorreu.

    A crise financeira de 2008 provocou o refluxo dos capitais da periferia para o centro da zona do euro, expondo toda a fragilidade grega: a baixa competitividade e a necessidade de financiar um buraco fiscal que já superava 6% do PIB nos anos que antecederam a crise.

    Sem condições de desvalorizar a moeda em resposta à mudança no cenário internacional, a Grécia tentou restaurar a competitividade por meio da queda de preços e salários: a inflação, que oscilava de 2% a 4% ao ano antes da crise, desacelerou fortemente em seguida a ela, entrando em terreno negativo a partir de 2013. Isso agravou o quadro recessivo e, por tabela, as contas públicas, cujo deficit superou 10% do PIB entre 2008 e 2011. Já o desemprego atingiu 25%.

    Posto de outra forma, a rigidez cambial, casada com o forte desequilíbrio fiscal inicial, implicou uma dinâmica particularmente perversa para a atividade econômica e, por conseguinte, para a estabilidade política do país.

    Nesse sentido, a tomada do poder pela esquerda, o Syriza, não pode ser vista como um acidente, mas como consequência inevitável (Destino, ou Moros) do processo acima descrito.

    Já a posição infantil do Syriza talvez pudesse ser evitada. Ao chegar ao poder, havia simpatia em alguns círculos por uma abordagem distinta, mas o primeiro-ministro grego e seu ministro das Finanças perderam tempo demais hostilizando os credores, bem como revertendo medidas que poderiam auxiliar no retorno da competitividade (por exemplo, a elevação do salário mínimo).

    Pareciam acreditar que o restante da zona do euro teria que se curvar à posição grega pelo medo de ruptura, desconsiderando que talvez a maior preocupação dos demais países pudesse ser o exemplo negativo da leniência com respeito à Grécia, em particular o estímulo a outros partidos semelhantes ao Syriza.

    Presos às suas convicções, ambos os lados marcharam cegamente para a funesta conclusão: a Grécia se encontra às portas da saída do euro, seus bancos, na lona, e sua economia, prestes a derreter. Já o euro perde sua aura de inviolabilidade, gerando a possibilidade de novas crises à frente, em particular nos elos mais frágeis da zona do euro.

    Os deuses cegam primeiro aqueles que querem punir.

    alexandre schwartsman

    Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é
    doutor em economia pela Universidade da Califórnia.
    Escreve às quartas, semanalmente.

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