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    Alexandre Schwartsman

    Traga aquela pedra de volta...

    08/07/2015 02h00

    Impossível não tratar das consequências do plebiscito grego, que no último domingo rejeitou as condições impostas pelos credores para manter o programa de financiamento ao país. Para ser sincero, não me espantou o resultado: colocado entre mais e menos austeridade, não havia razão para crer que os gregos fossem escolher nada diferente do que afinal decidiram.

    Com base nisto o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, acredita ser capaz de obter condições para uma negociação mais favorável, obtendo não apenas um alívio no que se refere ao ajuste fiscal, mas também, e principalmente, uma redução expressiva da dívida grega. Inclusive, aparentemente para sinalizar seu interesse em retomar as conversas com países credores (e o FMI), demitiu seu Ministro da Fazenda, cujo relacionamento com seus pares europeus havia se deteriorado extraordinariamente.

    Entre, porém, suas crenças e a realidade há muito mais do que parece supor sua vã filosofia.

    Para começar porque, ao menos do ponto de vista formal (e formalidades são importantes no contexto), o programa de financiamento à Grécia deixou de existir no final de junho. Mesmo que Tsipras se dispusesse a aceitar todas as condições originalmente propostas pelos credores (as mesmas rejeitadas pelo plebiscito), os recursos não estariam mais disponíveis. Para tanto, os demais países teriam que aprovar junto a seus respectivos parlamentos um novo programa, o que, nas atuais circunstâncias, parece arriscado, para dizer o mínimo.

    Se isto é verdade, não é difícil concluir que convencer os credores a aceitarem condições menos onerosas à Grécia é tarefa de Sísifo (não iria perder a chance de citar um mito grego). Pelo contrário, o cenário mais provável é que Alemanha e demais países da União Europeia irão, na melhor das hipóteses, passar muito tempo analisando qualquer proposta grega, e tempo é a mercadoria mais escassa na atual conjuntura.

    Ainda em julho a Grécia terá que fazer pagamento de € 3,5 bilhões ao Banco Central Europeu (BCE), referentes a títulos gregos que vencem nas próximas semanas. No entanto, sem acordo, o país não terá recursos para pagar a dívida.

    Ocorre que, por questões contratuais, um calote ("default") em um título é considerado como um calote em todos os demais papéis emitidos pelo governo grego. Do ponto de vista legal, portanto, o BCE fica impossibilitado de receber estes títulos como garantia dos empréstimos de curto prazo que fez aos bancos gregos.

    Em outras palavras, no momento em que a Grécia der o calote, o BCE devolverá aos bancos gregos os títulos do país e tomará de volta os euros que emprestou. Isto significa que, muito provavelmente, os bancos não terão dinheiro para pagar seus depositantes.

    Consequentemente também o governo grego não terá euros para pagar suas despesas (o superavit primário, construído a duras penas pelo governo anterior, sumiu nos seis meses de governo do Syriza).

    Se a experiência de outros países em tais circunstâncias, notadamente a Argentina, vale alguma coisa, o governo grego acabará por emitir promissórias que irão circular como moeda (como foi o caso do patacón), tomando gradativamente o lugar do euro.

    E assim deve terminar a experiência grega com a moeda europeia; não com uma explosão, mas um suspiro.

    alexandre schwartsman

    Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é
    doutor em economia pela Universidade da Califórnia.
    Escreve às quartas, semanalmente.

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