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    Alexandre Schwartsman

    De volta ao primário

    22/07/2015 02h00

    No Congresso propõe-se redução da meta de superavit primário de 2015 para 0,4% do PIB, dado que a evolução das contas públicas até agora sugere ser muito difícil, se não impossível, atingir o valor original, equivalente a 1,1% do PIB, sem recorrer a receitas extraordinárias.

    A questão central, porém, não é esta. Se o objetivo da política fiscal –como indicado pelo Ministro da Fazenda– é estabilizar, e a partir daí reduzir, a dívida pública medida como proporção do PIB, é forçoso concluir que, qualquer que seja o esforço em 2015, há mais a fazer nos anos à frente.

    Para entender o motivo imagine um país cujo PIB seja $ 100 e cujo governo deva $ 65. Suponha também que a taxa de juros (deduzida a inflação) seja 5% ao ano e que o país cresça, em média, 2% anuais. Dados os juros, a dívida cresceria de $ 65 para $ 68,3 entre o primeiro e o segundo ano, enquanto o PIB aumentaria de $ 100 para $ 102. Neste caso, a relação entre a dívida e o PIB se elevaria de 65% para 66,9% (68,3÷102).

    Para manter a relação em 65% do PIB, dado que o PIB agora é $ 102, a dívida não poderia passar de $ 66,3 (65%×102). Ou seja, o governo precisaria economizar $ 2 (a diferença entre $ 68,3 e $ 66,3) para estabilizar a relação dívida-PIB, mesmo pagando $ 3,3 de juros naquele ano. O aparente milagre se deve ao crescimento do PIB, que "come" um pedaço da dívida (2%×65 = $1,3).

    Como regra, portanto, o superavit primário do governo deve cobrir a diferença entre a taxa real de juros (5%) e o crescimento do PIB (2%), isto é $ 2 (3%×65%), de modo a estabilizar a dívida relativamente ao PIB.

    Nossa dívida pública deve, ao final deste ano, atingir cerca de 65% do PIB. Já a taxa média de juros esperada para 2016, deduzida a inflação prevista, é da ordem de 7,5%, enquanto o crescimento projetado do PIB deve ficar em 0,3%, também segundo a média dos analistas pesquisados pelo Banco Central.

    Sob estas circunstâncias, a aplicação da fórmula acima sugere que o governo precisaria gerar um superavit primário na casa de 4,7% do PIB para estabilizar a dívida no ano que vem. Apenas em um caso bem mais favorável, enfrentando taxa real de juros de 5% e crescimento de 2%, é que o governo poderia, como no exemplo fictício acima, se contentar com um superavit primário na casa de 2% do PIB.

    Obviamente, mais à frente, a taxa real de juros deve cair, assim como o crescimento do PIB se acelerar. A média dos analistas sugere que a diferença entre a taxa real de juros e o crescimento do PIB se reduziria para algo em torno de 4,5% em 2017 e 3,2% em 2018.

    Neste caso, partindo de uma relação dívida-PIB algo inferior a 70% no começo de 2017, o superavit primário deveria atingir pouco mais de 3% do PIB naquele ano.

    Decorrem disto ao menos três conclusões. A primeira, já adiantada, é que o esforço fiscal não se encerrará em 2015, nem mesmo em 2016, mas deve se prolongar até 2018. Como corolário desta análise, quanto mais demorarmos, tanto maior será o esforço à frente, pois a dívida crescerá adicionalmente.

    A terceira conclusão é que o direcionamento da política fiscal não se deve, como imaginam nossos "keynesianos de quermesse", a tentativas ingênuas de recuperar a "mágica da confiança". Trata-se, ao contrário, de condição essencial para garantir a solvência do país.

    alexandre schwartsman

    Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é
    doutor em economia pela Universidade da Califórnia.
    Escreve às quartas, semanalmente.

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