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    Alexandre Schwartsman

    Um enigma chinês

    19/08/2015 02h00

    Quem afirma ter entendido completamente a mudança da política cambial chinesa está enganado (ou enganando), em particular se acredita que seu objetivo central é impulsionar as exportações.

    Com efeito, desde seu anúncio na semana passada o yuan perdeu cerca de 3% do seu valor, uma gota d'água para uma moeda que, segundo os índices de taxa real de câmbio calculados pelo BIS, havia se apreciado 28% (descontada a inflação) desde meados de 2011.

    Posto de outra forma, o ganho de competitividade advindo desta mudança é pequeno, a menos que novas desvalorizações venham a ocorrer, possibilidade que tem sido negada pela própria China (se devemos acreditar nisto já é outra história). Não parece, portanto, fazer sentido a interpretação da mudança acima mencionada, que visaria recuperar a competitividade perdida e estimular o crescimento por meio do aumento das exportações. Ajuda um tanto, mas é pouco perto do desafio de mover a imensa economia chinesa, que sente o peso da queda do investimento, particularmente no que se refere à construção civil.

    Uma hipótese, talvez mais promissora, nota a tensão entre dois objetivos conflitantes.

    Há, por um lado, o aparente anseio do governo chinês de ver o yuan como uma das constituintes dos Direitos Especiais de Saque (SDR, na sigla em inglês), a "moeda" do FMI, ao lado do dólar americano, do euro, da libra esterlina e do iene, visto como um passo para se tornar uma moeda de aceitação internacional.

    Para tanto, porém, seria necessário que a moeda chinesa tivesse algumas características em comum com as que fazem parte do SDR, o que, dentre outras mudanças, requereria remover os controles de capitais hoje existentes.

    Há, por outro lado, o desejo de manter uma política monetária frouxa, considerado o (relativamente) baixo crescimento recente da economia, assim como sinais de desaceleração à frente. No entanto, isto só é possível, sob um regime de câmbio administrado (como o chinês), quando há controles de capitais. Sem estes, uma redução da taxa de juros deveria levar à saída de capitais, que, em larga medida, anularia o efeito da queda dos juros.

    A solução para este dilema (na verdade um trilema) seria a adoção de uma taxa de câmbio flutuante, mas o governo chinês parece relutante quanto a dar este passo.

    Levando em consideração o fraco desempenho econômico (comparado, bem entendido, ao de uns poucos anos atrás), assim como a baixa inflação, na casa de 1,5% ao ano, há bons motivos para crer que a moeda chinesa esteja sobrevalorizada. Caso isto seja verdade, a mudança para o regime flutuante deveria causar uma desvalorização mais considerável da moeda, o que parece também causar certo desconforto às autoridades chinesas.

    A mudança da semana passada aparenta ser, portanto, uma tentativa de conciliar objetivos que são, na verdade, inconciliáveis. Já numa perspectiva de um prazo algo mais longo, é possível que a mudança seja apenas mais um movimento no sentido preparar o terreno para a eventual adoção de um regime de câmbio flutuante.

    Há, assim, mais dúvidas do que certezas no que se refere aos acontecimentos da semana passada. Só podemos saber que não se trata do fim da história: cedo ou tarde veremos nova reforma do regime cambial chinês.

    alexandre schwartsman

    Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é
    doutor em economia pela Universidade da Califórnia.
    Escreve às quartas, semanalmente.

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