• Colunistas

    Thursday, 25-Apr-2024 03:38:35 -03
    Alexandre Schwartsman

    Dr. Bellezza e a inflação

    18/11/2015 02h00

    Nos cursos de introdução à economia, ali pela quarta aula, ensinamos aos alunos a necessidade de distinguir entre variáveis reais e nominais. Por exemplo, o PIB de um país, medido em sua moeda, pode ter crescido porque a produção de bens e serviços aumentou, ou porque os preços destes subiram, ou, como é mais comum, por uma combinação dessas duas coisas. Separar a parcela que se deve à inflação nos permite aferir o que realmente ocorreu com a produção.

    No caso do Brasil, o PIB na primeira metade de 2015 alcançou R$ 2,836 trilhões, uns 6% acima do que fora observado no mesmo período do ano passado (R$ 2,677 trilhões). No entanto, como se sabe, uma vez descontada a inflação, o crescimento real do PIB foi negativo, -2,1%, revelando que todo o aumento do produto nominal foi uma ilusão de ótica, resultado do aumento dos preços, não da atividade econômica.

    Em texto recente, porém, o Dr. Bellezza, um dos conselheiros informais da presidente na montagem da desastrada "nova matriz macroeconômica", em conjunto com um de seus lacaios, revela ter esquecido as preciosas lições da quarta aula.

    Ele reclama que, em minha coluna do dia 4, argumentei que, para saber o efeito da taxa de juros sobre a dívida, teríamos de deduzir o impacto da inflação sobre esta última. O motivo é simples, embora, ao que parece, além da sua capacidade de entendimento. Sorte dele que não me furto à missão civilizatória.

    Imaginem dois países iguais, com PIB no valor de $ 100 e uma dívida pública de $ 50, o que, em matemática compreensível até para Dr. Bellezza e asseclas, implica uma relação dívida-PIB de 50%. Para facilitar o cálculo, vamos também fazer de conta que não há crescimento real do PIB (a conclusão não muda se alterarmos essa hipótese).

    No primeiro país supomos que não haja inflação e que a taxa de juros seja 3%. Assim, depois de um ano, caso o superavit primário seja zero, a dívida chegaria a $ 51,5, por causa da incidência de juros de 1,5 sobre seu valor inicial (3%x50), ou seja, uma relação dívida-PIB de 51,5%.

    No segundo país a taxa de juros é 13,3%, mas a inflação é de 10%. Nesse caso, a incidência de juros sobre a dívida é bem mais alta, $ 6,65 (13,3%x50), levando-a a $ 56,65 no final do período. Contudo, como os preços subiram 10%, o PIB agora vale 110 e a relação dívida-PIB é exatamente 51,5% (56,65÷110), embora juros nominais equivalham a 6% do PIB (6,65÷110).

    A variação da razão dívida-PIB, portanto, depende da taxa real de juros (a que desconta o efeito da inflação). Nesse aspecto, a medida de deficit operacional (que justamente faz esse procedimento) é sempre a mais adequada para explicar a evolução das contas públicas, mesmo quando a inflação é moderada, ao contrário do que dizem os autores.

    Ocorre que, sob essa circunstância, não há muita diferença entre usar os números com ou sem ajuste à alta de preços. Isto dito, só quem não entende do riscado pode argumentar, como Dr. Bellezza e seu cúmplice, que a inflação no Brasil, 9,93% nos últimos 12 meses, seria "moderada".

    Dado seu conhecido desrespeito à aritmética, não me espanta que a incompetência do Dr. Bellezza tenha conseguido mandar o Palmeiras para a Segundona. Difícil é entender como ainda permitem que ele insista em fazer o mesmo com o Brasil.

    alexandre schwartsman

    Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é
    doutor em economia pela Universidade da Califórnia.
    Escreve às quartas, semanalmente.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024