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    Alexandre Schwartsman

    Janela para o Brasil se ajustar a Trump está se fechando

    23/11/2016 02h00

    Evan Vucci/Associated Press
    FILE - In this Wednesday, Nov. 9, 2016 file photo, President-elect Donald Trump speaks during an election night rally, in New York. A federal judge in San Diego will consider arguments on President-elect Trump's latest request to delay a civil fraud trial involving his now-defunct Trump University until after his inauguration on Jan. 20, 2017. Trump's attorneys said in a court filing ahead of the hearing to be held Friday, Nov. 18, 2016, that preparations for the White House were "critical and all-consuming." (AP Photo/Evan Vucci, File) ORG XMIT: CAET493
    O presidente eleito Donal Trump fala em Nova York um dia depois da vitória

    Na semana passada, analisamos os efeitos da política comercial de Donald Trump, cujo objetivo declarado é repatriar a produção de manufaturas transferida para o exterior. Se levada adiante, teria consequências negativas para a economia americana.

    Como o país se encontra próximo ao pleno emprego, o espaço para a expansão não inflacionária é reduzido. O aumento de postos de trabalho resultante da maior produção local teria que ser compensado por redução em outros setores, por meio da elevação da taxa de juros. Adicionalmente, a realocação de mão de obra contrária às forças de mercado levaria à redução da produtividade geral, agravando a questão inflacionária.

    Esses efeitos, contudo, são modestos diante dos provenientes da proposta de política fiscal. Em grandes linhas, essa consiste de uma drástica simplificação de impostos para indivíduos e empresas, reduzindo incentivos fiscais, assim como um corte expressivo das alíquotas. Há também a possibilidade de um aumento de gastos com infraestrutura na casa de US$ 500 bilhões distribuídos ao longo de quatro anos.

    De acordo com análise do Tax Policy Center, as medidas tributárias teriam efeitos positivos em termos de "incentivos para trabalhar, poupar e investir, bem como potencial para simplificar o código tributário". Seus impactos sobre a distribuição de renda, porém, seriam pesadamente regressivos.

    Ainda que a redução de impostos beneficiasse todos os segmentos de renda (média de US$ 5.100, ou 7% da renda líquida), os maiores ganhos se materializariam nas faixas de renda mais elevada. Assim, o corte de impostos para famílias de renda média (os 20% abaixo dos 40% mais ricos e acima dos 40% mais pobres) elevaria seus rendimentos após impostos em quase 5%; já para os 20% mais ricos o ganho seria da ordem de 10%, enquanto para aqueles no topo da pirâmide (1% mais ricos) o impacto seria equivalente a 18% da renda líquida.

    Por outro lado, estima-se que tais cortes produziriam um deficit adicional da ordem de US$ 11,2 trilhões nas contas públicas nos dez anos posteriores à sua adoção, o que, mesmo sem elevação das taxas de juros, aumentaria a dívida pública em quase 80% do PIB até 2036, praticamente o dobro das projeções mais recentes do Congressional Budget Office.

    Haveria, portanto, um estímulo de demanda da ordem de 5% a 6% do PIB, que poderia ser ainda maior caso os investimentos em infraestrutura se tornem realidade.

    Todavia, conforme notado no início desta coluna, há fortes razões para crer que a economia americana opera hoje próxima a seu potencial. Sob essas circunstâncias, como pudemos aprender com a experiência brasileira recente, o estímulo fiscal se traduz, em larga medida, em novas tensões inflacionárias, assim como maior demanda por importados, mesmo sob mais proteção.

    Nesse contexto, não chega a ser surpreendente o comportamento do mercado de juros, que passou a indicar aumento mais agressivo das taxas após a eleição, processo que pode se agravar caso a proposta seja de fato adotada. Assim, o fortalecimento do dólar, pelo menos no curto prazo, também não é surpresa.

    Já do nosso ponto de vista esses desenvolvimentos sugerem que a janela para o Brasil se ajustar está se fechando. Sem uma ação decidida agora, teremos problemas mais à frente.

    alexandre schwartsman

    Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é
    doutor em economia pela Universidade da Califórnia.
    Escreve às quartas, semanalmente.

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