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    Alexandre Schwartsman

    Nelson Barbosa quer se defender após ser pego em flagrante contradição

    19/04/2017 02h00

    Pedro Ladeira - 6.mai.16/Folhapress
    Brasilia, DF, Brasil, 06/05/2016: Coletiva do ministro da fazenda Nelson Barbosa e do secretario de receita Jorge Rachid. Eles anunciam mudancas em regras de tributacao. Foto: Pedro Ladeira/Folhapress
    Nelson Barbosa, que foi ministro do Planejamento e da Fazenda sob Dilma Rousseff

    Confesso que leio alguns (não todos) textos de Nelson Barbosa e até coisa bem pior, como, por exemplo, o manifesto de "intelectuais" brasileiros defendendo o retorno da Nova Matriz Econômica.

    Paro também para ver acidentes. Curiosidade mórbida, mas nada que exija tratamento psiquiátrico mais sério, quero acreditar.

    Pois bem, o inesquecível ministro quer se defender após ter sido pego em flagrante contradição, ao criticar o contingenciamento de gastos proposto pelo atual governo, enquanto há cerca de um ano se vangloriava de ter perpetrado o "maior contingenciamento da história do país" em 2016 (não em 2015, como malandramente escreve ). Aqui não há o que discutir: quem fez a afirmação foi ele; não eu. Viva com isso.

    Malandragens à parte, Barbosa quer nos convencer de que a estabilidade da despesa em termos reais (isto é, deduzida a inflação) seria contracionista porque implicaria queda do gasto como proporção do PIB. É engraçado.

    Em primeiro lugar porque, se o gasto do governo cresce mais do que a inflação, deveria ser óbvio que isso equivale a um consumo maior de bens e serviços reais, isto é, uma política de expansão da demanda.

    Mas o engraçado mesmo é ler Barbosa, um economista que acredita que R$ 100 adicionais de gasto aumentam o PIB em mais de R$ 100 (o tal "efeito multiplicador"), não perceber que, segundo sua própria teoria, se o gasto tivesse sucesso em elevar a demanda, poderia tanto cair como subir relativamente ao PIB. Não entende sequer as consequências daquilo que professa....

    Da mesma forma é curioso que Barbosa em momento algum mencione a queda da taxa de juros, que se tornou possível depois da promessa de ajuste fiscal, na forma do teto para despesas públicas.

    Parece que, para ele, apenas o gasto público tem a capacidade de estimular o crescimento; por algum motivo misterioso, o juro mais baixo não teria esse poder. Tal argumento poderia caber em economias que apresentem taxa de juros perto de zero, mas eu diria que esse não parece ser o caso do Brasil, certo?

    Posto de outra forma, Barbosa ignora toda literatura macroeconômica que sugere que a contração fiscal pode ser compensada (ou, no caso, mais do que compensada) pela redução da taxa de juros, desde que a taxa nominal de juros não se encontre próxima a zero.

    Deixa de lado também que o crescimento que resulta da combinação de austeridade fiscal e (consequente) juro mais baixo tende a ser mais forte do que o decorrente de gasto e juro mais elevados, precisamente porque o investimento privado é maior no primeiro caso, em resposta ao juro mais baixo. Já se a omissão é intencional ou não, não sei dizer.

    Não vejo, para ser sincero, nenhum problema em mudar de ideia. Barbosa poderia ter refletido melhor e concluído que contingenciamento é uma má política. Assim como poderia ter caído em si e notado que sua proposta de teto para o gasto público seria contracionista e negaria à população acesso a serviços indispensáveis.

    Ou ainda, depois de muita investigação, decidido que a proposta de reforma previdenciária não mereceria seu apoio.

    Isso dito, suas bruscas mudanças de opinião parecem fortemente correlacionadas a fazer ou não parte do governo.

    A correlação pode, é claro, ser mero acaso, mas é bem mais provável que seja pura desonestidade.

    alexandre schwartsman

    Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é
    doutor em economia pela Universidade da Califórnia.
    Escreve às quartas, semanalmente.

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