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    Alexandre Schwartsman

    Decisão do TSE abre as portas para toda espécie de abuso

    14/06/2017 02h00

    Marlene Bergamo - 8.jun.2017/Folhapress
    ao centro,o presidente do TSe,gilmar mendes,em sessão que julgou a chapa Dilma-Temer
    O presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Gilmar Mendes, no julgamento da chapa Dilma-Temer

    "Too big to fail" (grande demais para quebrar) é um problema que frequentemente nos atormenta.

    Há menos de dez anos, em meio à crise deflagrada pela falência da Lehman Brothers, vimos os mesmos que haviam tomado a decisão de não resgatar aquele banco serem forçados a mudar de posição e adotar, a contragosto, medidas que possibilitaram a sobrevivência do sistema financeiro.

    A decisão foi justificada então como necessária para evitar que a crise se tornasse ainda mais profunda e, da forma como vejo, isso muito provavelmente era verdadeiro. Caso outras instituições tivessem quebrado na esteira da Lehman, a contração de crédito seria ainda mais profunda e a Grande Recessão de 2008-2009 poderia rivalizar com a Grande Depressão dos anos 1930.

    Isso dito, se houve benefícios associados à decisão de resgatar bancos e assemelhados, houve também custos, alguns dos quais não imediatamente visíveis.

    Em particular, ficou claro que não há como bancos centrais e Tesouros Nacionais se comprometerem a não resgatar instituições "grandes demais para quebrar". Ao contrário de Odisseu, que se amarrou ao mastro de sua nave para não sucumbir ao canto das sereias, a crise revelou que as cordas são bem mais frágeis do que gostaríamos.

    Sabendo disso, não é difícil concluir que instituições "grandes demais para quebrar" tenderão a tomar mais risco do que fariam caso não houvesse a possibilidade de resgate. Não é posição diferente, por exemplo, de um trapezista que, sabendo da existência de uma rede de segurança, escolhe saltos mais arriscados do que faria na ausência dessa rede.

    Em economês, isso é definido como um problema de "risco moral" ("moral hazard"), no caso um problema de assimetria de informações em que as autoridades não conseguem monitorar perfeitamente o comportamento de certos agentes. Assim, ao socializar o risco, fazem com que instituições assumam mais risco do que o saudável.

    Longa introdução à parte, meu tema hoje não é o risco que o sistema financeiro possa estar acumulando em razão desse problema, mas sim a decisão do TSE, que, mesmo em face de provas inegáveis de corrupção e abuso de poder nas eleições de 2014, se entregou a piruetas de fazer inveja a nosso trapezista imaginário para absolver a chapa Dilma-Temer, decisão saudada por silêncio ensurdecedor tanto da situação como da oposição.

    Segundo o ministro Gilmar Mendes, a cassação da chapa "lançaria o país em quadro de incógnita". Ainda que tenha tentado vestir a decisão com uma roupagem técnica, o veredito do TSE muito provavelmente resultou da percepção da enorme desordem política que se seguiria à cassação, caso o STF mantivesse a condenação.

    Trata-se do mesmo problema apresentado acima. Em nome de evitar aprofundar uma crise (no caso, política), o TSE abriu as portas para o risco moral: na certeza de que dificilmente serão punidos, candidatos não terão freios para toda espécie de abuso.

    Note-se que essa piora institucional é apenas mais uma num quadro de deterioração persistente, que abarca desde a falência das regras de conduta fiscal (como mudanças casuísticas na Lei de Diretrizes Orçamentárias) até a própria governança do país, expressa na corrupção generalizada.

    Em tal contexto, apenas o Brasil não parece ser "grande demais para quebrar"...

    alexandre schwartsman

    Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é
    doutor em economia pela Universidade da Califórnia.
    Escreve às quartas, semanalmente.

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