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    Alexandre Schwartsman

    Gastamos para a dívida crescer, mas não para termos serviços de qualidade

    16/08/2017 02h00

    Alan Marques - 13.dez.16/Folhapress
    BRASÍLIA, DF, BRASIL, 13.12.2016. Sessão do Senado Federal para votar o segundo turno da PEC 55/ 2016, que trata do teto dos gastos públicos. (FOTO Alan Marques/ Folhapress) PODER
    Sessão no Senado para votação da PEC do Teto, em dezembro passado

    Há no país uma crença estabelecida: se queremos atingir determinado objetivo, simplesmente passamos uma lei afirmando isso e damos o assunto por resolvido; pouca atenção é dedicada à construção dos meios para chegar aonde queremos.

    Esse padrão também se aplica à principal medida aprovada até agora no âmbito fiscal, a criação do teto para as despesas federais.

    Considero o teto um passo importante para recuperarmos o equilíbrio fiscal, em particular porque institui como princípio o controle das despesas, que cresceram de forma praticamente ininterrupta por 20 anos, de R$ 454 bilhões, em 1997, para R$ 1,3 trilhão, nos 12 meses terminados em junho, valores expressos a preços de junho de 2017.

    No entanto, como tive a oportunidade de apontar mais de uma vez, trata-se de um ponto de partida, não a jornada completa.

    De fato, a emenda aprovada no ano passado estabelece medidas de controle de gastos em caso de violação do limite (os incisos de I a VII ao artigo 109 da Constituição), mas não dá nenhum instrumento para evitar que isso aconteça.

    Ao contrário, deixadas à própria sorte, as despesas obrigatórias —notadamente as ligadas à Previdência, mas uma série de outros gastos também— seguirão crescendo sem controle.

    No primeiro semestre deste ano, por exemplo, as despesas obrigatórias aumentaram pouco mais de 5% na comparação com o mesmo período do ano passado, já descontada a inflação, ou seja, R$ 24 bilhões.

    Já as despesas ditas "discricionárias" caíram R$ 23,1 bilhões, em particular o investimento, que registrou R$ 11 bilhões de retração no mesmo período.

    Há, portanto, um paradoxo: faltam gastos em setores vitais para a operação do Estado, mas, em outros flancos, as despesas ainda crescem a ritmo quase chinês.

    Dessa forma, não apenas o governo deixa de controlar o conjunto do dispêndio federal mas também a rigidez do gasto público aumenta (com maior peso para as despesas obrigatórias), enquanto a qualidade do gasto federal despenca.

    Posto de outra forma, conseguimos o pior dos mundos: seguimos gastando mais do que o suficiente para fazer nossa dívida crescer de maneira acelerada, mas não para termos serviços públicos com um mínimo de qualidade.

    O resultado desse arranjo é o aumento da meta de deficit para 2017 e 2018 em meio a notícias como corte no orçamento das Forças Armadas, assim como na Polícia Federal, entre outros.

    Deve estar claro que esse arranjo não é sustentável. Sem controle da despesa obrigatória, não interessa que o teto de gasto esteja inscrito no Código Penal, na Constituição, ou mesmo nos Dez Mandamentos: não há diploma legal que se sobreponha a um fato inexorável. Se a lei estiver no caminho, será devidamente alterada, podem contar com isso.

    Obviamente não estou recomendando que o teto constitucional seja revogado, apenas notando que, pelo que sabemos das instituições brasileiras, contar com mandamentos legais sem trabalhar para que funcionem é cortejar o fracasso.

    A Lei de Responsabilidade Fiscal, que, reconheço, é uma lei complementar, não um preceito constitucional, não foi capaz de evitar a imensa deterioração das contas públicas.

    A moral é simples: não resolveremos o problema só passando leis que expressam nossos objetivos; vamos ter que ralar muito para pôr este país em ordem.

    alexandre schwartsman

    Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é
    doutor em economia pela Universidade da Califórnia.
    Escreve às quartas, semanalmente.

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