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    Alexandre Schwartsman

    O cobrador, o frentista e a produtividade

    29/11/2017 02h00

    Fábio Teixeira - 1º.ago.2015/Folhapress
    RIO DE JANEIRO, RJ, 01.08.2015: Corredor de ônibus da BRT na cidade do Rio de Janeiro (Foto: Fábio Teixeira/Folhapress)
    Ônibus no Rio; projeto elimina a figura do motorista-cobrador

    A história é provavelmente apócrifa e há relatos semelhantes com outras pessoas, mas, como aprendi com Neil Gaiman, uma história não precisa ter ocorrido para ser verdadeira.

    De qualquer forma, conta-se que Milton Friedman, em visita à China, teria perguntado o porquê de, em determinada construção, trabalhadores usarem pás em vez de máquinas, ao que o burocrata que o acompanhava teria respondido que se tratava de um programa de empregos, motivando o seguinte comentário: "Ah, achei que vocês estavam construindo um canal; se querem emprego, vocês não deveriam dar aos trabalhadores pás, mas colheres".

    Digo isso, claro, a propósito da decisão da Câmara Municipal do Rio de eliminar a figura do motorista-cobrador, comemorada por luminares da esquerda como Marcelo Freixo.

    Embora o pretexto tenha sido garantir "menos estresse ao motorista e mais segurança na condução do veículo", a lógica por trás da proposta era a velha proposta luddista, igual, em espírito, por exemplo, à do deputado (e ex-ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação!) Aldo Rebelo que proíbe bombas de autosserviço em postos de gasolina.

    A ideia, que permeia tipicamente o "pensamento" de esquerda, é que avanços da produtividade resultariam em redução do nível de emprego, apesar de evidências avassaladoras em contrário.

    Aproveitando, por exemplo, a base de dados do Banco Mundial, que permite comparações não apenas entre países distintos mas também em diferentes momentos, noto que o produto americano por trabalhador entre 1991 e 2016 aumentou nada menos do que 47% (em média pouco mais do que 1,5% ao ano). Caso a relação entre emprego e produtividade fosse como a sugerida acima, tal desenvolvimento deveria implicar aumento maciço do desemprego.

    Ao contrário, porém, durante esse período o emprego cresceu 33% (36% no caso do emprego privado), enquanto a taxa de desemprego caiu de 7% para 5%.

    Muito embora a comparação ponto a ponto não esgote o assunto, não há nenhuma tendência crescente da taxa de desemprego nos EUA; pelo contrário, em que pesem flutuações cíclicas consideráveis (como na crise de 2008-09), se há alguma tendência, é de leve queda do desemprego, independentemente da particular medida que se escolha.

    Já no Brasil os desenvolvimentos não foram dos mais auspiciosos: o produto por trabalhador no mesmo intervalo aumentou 16% (0,6% ao ano); usando dados até 2013, desconsiderando os anos de recessão, o avanço fica em 24% (1,0% ao ano). Entre as 230 economias (países e regiões) listadas, éramos a 89ª em termos de produto por trabalhador em 1991, mas caímos para 112ª posição em 2016 (105ª em 2013).

    O Brasil tem um sério problema de produtividade, que vem se agravando, mesmo antes da recessão mais grave da história recente. Obviamente isso não se deve exclusivamente à obrigatoriedade de frentistas (ou cobradores), mesmo quando desenvolvimentos tecnológicos tornam obsoletas essas funções.

    No entanto, a reação dos setores afetados pelas mudanças tecnológicas e a rapidez com que políticos, principalmente entre os autodenominados "progressistas", abraçam essas causas perdidas colaboram, e não pouco, para a perda persistente de competitividade na arena internacional.

    Mas querem, em compensação, controlar câmbio e juros.

    alexandre schwartsman

    Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é
    doutor em economia pela Universidade da Califórnia.
    Escreve às quartas, semanalmente.

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