• Colunistas

    Tuesday, 21-May-2024 02:51:50 -03
    Alexandre Vidal Porto

    Disseram que eu tinha virado potência

    22/06/2013 03h00

    O Primeiro-Ministro do Japão, Shinzo Abe, não cansa de dizer que os japoneses precisam se globalizar. Estreitar os laços de seu país com o resto do mundo é um dos fundamentos de seu programa de governo.

    Essa política de internacionalização tem objetivo econômico. Um de seus eixos é a capacitação profissional. É apoiada pela Keidanren, que reúne os maiores conglomerados industriais do país.

    A razão é simples: as empresas locais querem ampliar suas operações no mundo, mas não contam, no Japão, com suficiente mão de obra capaz de dominar ambientes internacionais. É aí que entra o governo: ajuda a financiar esse tipo de qualificação.

    O programa japonês quer tirar vantagem de um processo social espontâneo, que já está em curso.

    No Japão, a maioria dos universitários entre 18 e 23 anos é internacionalizada. Ainda tem dificuldades com línguas estrangeiras e não conta com as melhores conexões nos centros mundiais de produção de conhecimento.

    Mas é a primeira geração do país que cresceu com uma janela aberta para o mundo.

    Se quisesse --e muita gente quis--, podia arranjar amigos na Alemanha, comprar livros nos EUA e assistir a vídeos feitos por gente de qualquer lugar do planeta. Bastava uma conexão de internet.

    Não é por acaso que, desmentindo o estereótipo de que os japoneses não querem contato com o exterior, pesquisa recente da Universidade de Waseda indicou que 82% de seus alunos gostariam de estudar em outros países.

    Esse interesse pelo mundo não é, naturalmente, exclusivo do Japão. Está mais relacionado com a faixa etária e o uso de tecnologia que com a nacionalidade dos indivíduos.

    É um fenômeno de jovens e permite àqueles com interesses e causas comuns reconhecerem-se e se organizarem em minutos, independentemente de onde estejam, porque a internet que os conecta chega a todo lugar.

    A maior parte dos que iniciaram a onda de protestos no Brasil é jovem e se encaixa nesse perfil. Segundo o Datafolha, na primeira manifestação em SP, 77% dos participantes frequentavam universidades e 53% tinham menos de 25 anos.

    É gente que tem mais energia e acesso a informação que a média da população; que sabe que o descaso e o desrespeito com os quais o povo brasileiro é tratado por seus governantes seriam inaceitáveis em qualquer país civilizado. Gente que aprendeu isso por comparação, olhando, como os japoneses, através de janelas abertas para o mundo.

    Essa gente reclama que ser brasileiro está custando caro demais, e que, em outras partes do mundo, paga-se menos por qualidade de vida significativamente melhor. Essa gente pergunta com quem, em nosso país, fica a diferença entre o que se paga e o que se recebe.

    Disseram que o Brasil tinha virado potência. Os jovens acreditaram. Agora, querem o tratamento que potências devem a seus cidadãos. Em situação semelhante, os jovens japoneses provavelmente agiriam igual.

    ALEXANDRE VIDAL PORTO é escritor e diplomata. Este artigo reflete apenas as opiniões do autor

    alexandre vidal porto

    Escreveu até outubro de 2016

    Escritor e diplomata, mestre em direito (Harvard). Serviu na missão na ONU e no Chile, EUA, México e Japão. É autor de "Sergio Y. vai à América" (Cia das Letras).

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024