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    Alexandre Vidal Porto

    Superioridade moral de mentira

    28/09/2013 08h11

    Todo norte-americano cresce ouvindo que os Estados Unidos são o melhor país do mundo. Aprende que são o bastião dos valores políticos mais virtuosos e evoluídos e que constituem uma nação excepcional, exemplo para todas as demais.

    A defesa desses "valores virtuosos" --como democracia, direitos civis e livre-comércio-- serviu, ao menos parcialmente, como justificativa para muitas das ações da política exterior norte-americana no último século.

    Era como se tanta excepcionalidade impusesse aos Estados Unidos o dever moral de expandir seus valores nacionais de forma absoluta, em qualquer lugar do planeta.

    Historicamente, a inclusão de argumentos morais ou éticos na formulação de políticas de governo nos Estados Unidos tem conseguido galvanizar a opinião pública.

    Em geral, ações de política externa contam com mais apoio popular quando logram ser identificadas com questões de princípio, como a proteção de direitos humanos.

    Cientes dessa correlação, vários presidentes --Nixon no Vietnã, Reagan na América Central ou George W. Bush no Iraque-- procuraram conferir uma dimensão moral --ainda que apenas retórica-- a suas ações no exterior.

    Porém, desde a publicação, em 2004, das primeiras fotos de torturados na prisão de Abu Ghraib, no Afeganistão, a utilização de discurso de princípios como método para granjear apoio para ações de política externa vem sofrendo revezes.

    A imagem de prisioneiros em situação degradante pelas mãos de agentes do governo dos Estados Unidos desencantou muita gente que --por ingenuidade ou ignorância-- comprara o discurso virtuoso da política externa norte-americana.

    Quando o presidente Obama chegou à Casa Branca, em 2009, seu compromisso com questões de princípio inspirava mais credibilidade que o de seu antecessor.

    No entanto, fatos como a recusa de sua administração em propor o fechamento da prisão de Guantánamo e, mais recentemente, a revelação da existência de programas de espionagem direta contra cidadãos e autoridades em países como Brasil, Índia e Alemanha voltaram a evidenciar as inconsistências entre a moralidade declarada do discurso governamental e o curso real de suas políticas.

    Pode ser que, para a opinião pública dos EUA, o fato de Washington espionar nações amigas tenha pouca ou nenhuma repercussão. No âmbito externo, porém, esse comportamento fragiliza e desacredita ainda mais seu discurso de princípios. Nada desmente tanto a superioridade moral de alguém quanto ser surpreendido num ato de má-fé.

    A questão do abuso em espionagem cibernética abriu a Assembleia-Geral da ONU. Mais do que uma dificuldade bilateral entre espião e espionados, porém, o incidente suscita o tema necessário da governança global na internet.

    Hoje, parece claro que o ciberespaço configura um ambiente internacional de uso comum de todos os países, como os oceanos e o espaço exterior. Deve, portanto, ter um regime internacional para sua utilização. Sem isso, abusos continuarão.

    alexandre vidal porto

    Escreveu até outubro de 2016

    Escritor e diplomata, mestre em direito (Harvard). Serviu na missão na ONU e no Chile, EUA, México e Japão. É autor de "Sergio Y. vai à América" (Cia das Letras).

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