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    Alexandre Vidal Porto

    Máquina de fazer tiranos

    08/03/2014 03h13

    Paul Lissa morava em Frankfurt, ao lado do hotel em que estou hospedado. Foi preso, deportado e morto pelo governo alemão. Uma pequena placa de metal com seu nome, incrustada na calçada em frente da casa em que viveu, é a única coisa que restou de sua memória.

    As razões de seu destino trágico são prosaicas. Poderiam afetar qualquer um. Bastaria que fosse oposição. Paul Lissa foi eliminado para não perturbar o projeto politico de quem o considerava inimigo. Seus planos foram interrompidos, seus filhos nunca nasceram e a contribuição que ele poderia ter dado à Alemanha e ao mundo nunca se realizou.

    Em 1941, enquanto ele ainda estava vivo, havia apenas 11 democracias no planeta. Desde o fim da Segunda Guerra, porém, vários países se democratizaram. Alemanha, Índia, África do Sul e Brasil são alguns deles. No ano 2000, a Freedom International, "think tank" baseado nos Estados Unidos, reconhecia regimes democráticos em 120 países –ou 63%– do mundo.

    Essa tendência, no entanto, mudou. A mesma Freedom International aponta que 2013 foi o oitavo ano seguido em que as liberdades individuais encolheram em termos globais. A revista britânica "The Economist", por exemplo, publicou na semana passada um longo ensaio sobre a decadência da democracia no mundo.

    Ainda assim, a democracia continua a ser vendida como panaceia: o antídoto imediato contra a corrupção e o abuso, capaz de fomentar prosperidade, estabilidade e a liberdade indivídual. Seria uma solução mágica, engendrada por eleições. Bastaria isso para resolver todos os problemas de um regime político.

    Só que, na realidade, as coisas são diferentes. Eleições são só o começo da experiência democrática. Os efeitos positivos da democracia vêm depois e se realizam por meio de instituições que os viabilizem, como um Judiciário isento, um Congresso independente e uma imprensa livre. Ao indivíduo, não basta votar: tem também de participar, porque derrubar um governo autocrático é muito mais fácil do que estabelecer um governo democrático.

    Esse processo é lento e exige diálogo e respeito às diferenças, porque a lição número um para a consolidação democrática é ter presente que oposição é importante e que ninguém é melhor ou está mais certo porque está no poder.

    O politico que se julga onipotente porque ganhou uma eleição é incompetente. Ignorar o que dizem as oposições é a melhor maneira de minar um projeto democrático. Ninguém governa sozinho, e quem é eleito representa a todos, e não apenas aos seus eleitores. Demonizar a oposição é tentador, mas conduz ao autoritarismo e à tragédia.

    Para Paul Lissa, ser oposição na Alemanha nazista foi trágico. Para outros oposicionistas, em outras partes do mundo, continua a sê-lo.

    Aos governantes em outros países, é cômodo fechar os olhos e dizer que é tudo questão doméstica. O problema é que regimes eleitos que não admitem dissenso são máquinas de criar tiranos, e tiranos fazem guerras, e o que se dizia doméstico vira internacional.

    ALEXANDRE VIDAL PORTO é escritor e diplomata. Este artigo reflete apenas as opiniões do autor

    alexandre vidal porto

    Escreveu até outubro de 2016

    Escritor e diplomata, mestre em direito (Harvard). Serviu na missão na ONU e no Chile, EUA, México e Japão. É autor de "Sergio Y. vai à América" (Cia das Letras).

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