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    Alexandre Vidal Porto

    Amor de eleição ou compromisso?

    DE SÃO PAULO

    01/11/2014 02h00

    A Apple acaba de lançar mais um produto inovador: o CEO homossexual. O artigo é raríssimo no mercado. Liderança abertamente homossexual poucas empresas têm. A partir de agora, todas poderão ter uma.

    Mas nem tudo é progresso. No dia a dia, todo LGBT tem de lidar com muitas estruturas arcaicas e concepções retrógradas.

    Se, em partes do mundo, os direitos das minorias sexuais avançam, em outras eles retrocedem.

    A consolidação dos direitos à igualdade parece irreversível nas três Américas e na Europa ocidental. No entanto, a coisa vai bem mal na África –à exceção da África do Sul– e no Oriente Médio –à exceção de Israel.

    Na Índia, a situação jurídica dos homossexuais piorou. Na Rússia, idem. Se eu publicar este mesmo artigo em um jornal russo, é possível que tenha problemas com a Justiça.

    No Brasil, a questão também é polarizadora. A campanha eleitoral mostrou isso. Mas o apoio à causa LGBT parece ter perdido parte do estigma e passou a ser identificado como progressista. Levy Fidelix virou alvo de chacota, e o tropeço de Marina Silva ao tratar a questão desencadeou sua derrocada.

    Vendo os gays abandonados, Dilma os abraçou com todo ímpeto, como quem quer namorado em baile de Carnaval.

    O amor é sempre lindo. Esperemos que dure muito. Mas a duração desse romance vai depender mais da presidente do que da comunidade LGBT.

    Em termos de avanços para as minorias sexuais, o primeiro mandato de Dilma foi um fiasco. Mesmo os que apoiaram sua reeleição consideram que as ações do governo na área deixaram a desejar.

    Não se ignoram as dificuldades da governabilidade. Não se ignora, tampouco, que o concerto político sempre exige concessões.

    Mas o apoio que os LGBTs pedem à classe política tem mais a ver com compromissos e boa-fé que com resultados imediatos.

    Agora que se posicionou vocalmente em defesa dos LGBT, é importante que a presidente mantenha seu engajamento e não abandone as minorias sexuais à míngua, como fez no passado.

    É importante que, com sua voz, ajude a conquistar aliados para a guerra cultural que os LGBT têm de travar quotidianamente. Cristina Kirchner e Barack Obama fizeram isso, e as minorias sexuais argentinas e americanas estão em melhor situação que as nossas.

    A demografia está ao lado dos LGBT. Político homofóbico não tem vez com eleitor jovem.

    O fato de o único congressista abertamente gay, deputado Jean Wyllys, ter recebido dez vezes mais votos do que em sua primeira eleição evidencia essa evolução.

    Dilma Rousseff pode ser uma presidente melhor do que foi no passado. Mas, para isso, é importante que não abone a intolerância alheia.

    A relação do governo com a comunidade LGBT pode ser ótima. Mas a presidente terá de provar que seu coração é valente o suficiente para nos defender.

    Tem de mostrar também que sua intenção é séria, compromissada e que, depois de tanto casa-e-separa, ela não abandone ninguém ao pé do altar.

    alexandre vidal porto

    Escreveu até outubro de 2016

    Escritor e diplomata, mestre em direito (Harvard). Serviu na missão na ONU e no Chile, EUA, México e Japão. É autor de "Sergio Y. vai à América" (Cia das Letras).

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