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    Alexandre Vidal Porto

    Igual, pero no mucho

    07/02/2015 02h00

    Na Esplanada, em Brasília, todos os Ministérios ocupam edifícios idênticos. O que muda são os nomes nas fachadas. Apenas dois Ministérios têm edifícios distintos: o da Justiça e o das Relações Exteriores.

    A distinção feita pelo arquiteto não é aleatória: traduz uma singularidade real.

    O Ministério da Justiça foi o primeiro a ser criado e, na República, é o que tem a precedência mais alta depois da Casa Civil.

    No caso do Ministério das Relações Exteriores, a peculiaridade é que sua atuação transcende as fronteiras nacionais e se realiza, ao mesmo tempo, em 150 países. Para efeitos de comparação, o McDonald's mantém operações em 118.

    Essa atuação global do Itamaraty engendra outras singularidades de ordem política e administrativa, que devem ser levadas em conta pelo governo.

    Do ponto de vista administrativo, a principal peculiaridade é que seu orçamento é previsto em reais, mas executado em dólares. Cerca de 90% das despesas são empenhadas no exterior.

    Isso faz com que, em tempos de crise, o Itamaraty fique duplamente vulnerável: pelas restrições orçamentárias do governo e pelo impacto da desvalorização do real.

    Do ponto de vista político, a peculiaridade é que o trabalho do Ministério das Relações Exteriores tem impacto direto junto a autoridades e opinião pública de uma centena e meia de países. É o único órgão do Estado brasileiro com esse tipo de alcance e exposição.

    Esse é um capital que, bem gerenciado, produz imensos benefícios –sociais, políticos, econômicos, culturais– ao desenvolvimento do país. Mal administrado, tem o mesmo potencial, só que negativo.

    Um país pode conferir à sua política externa o ritmo que quiser, mas deve sempre preservar suas instituições no exterior. Embaixador parece pessoa física, mas não é. O que ele e sua equipe fazem –de bem ou mal– é creditado ao Brasil.

    Não tem problema um país ser pobre ou estar em crise, mas tem de ser honrado.

    O mínimo que se espera de uma Embaixada estrangeira é que pague suas contas.

    Ninguém recebe diplomatas para que deem calote em seus cidadãos. Você gosta quando alguém lhe deve e não paga? Pois é, nem eles.

    "Quem está em dificuldades tem de cortar custos", dirá o bom senso financeiro, e é elogiável tratar todo o Executivo com o mesmo rigor orçamentário. Mas, às vezes, o que parece economia é só catalisador de mais prejuízo.

    O atual nível de contenção orçamentária inviabiliza as operações da rede de postos do Itamaraty no exterior. O que poderia ser benefício transforma-se em perda.

    Ao ignorar as peculiaridades do Ministério das Relações Exteriores, o governo se comporta como quem abandona seus soldados à própria sorte. Em um mundo de cão comendo cão –que é a ordem internacional–, roupa suja deve se lavar em casa.

    Querer economizar menos de um quinto de 1% do orçamento nacional às custas do nome do país no exterior não faz sentido nenhum.

    É importante que as autoridades econômicas se deem conta disso.

    alexandre vidal porto

    Escreveu até outubro de 2016

    Escritor e diplomata, mestre em direito (Harvard). Serviu na missão na ONU e no Chile, EUA, México e Japão. É autor de "Sergio Y. vai à América" (Cia das Letras).

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