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    Alexandre Vidal Porto

    Conversando a gente se entende

    21/03/2015 02h00

    O rosto do homem com o cartaz "Military Intervention Already" ("Intervenção Militar Já"), assim mesmo, em inglês, não sai da minha cabeça. Tampouco esqueço do cara para quem "tudo-isso-que-está-aí" é um complô orquestrado pela CIA, para desestabilizar governos de esquerda na América Latina.

    Vi os dois nos protestos do último domingo na avenida Paulista. É difícil avaliar onde o engano é maior. De que lado emana mais ignorância. Um desavisado acreditaria ter viajado no tempo. A terminologia e a percepção do mundo remetem aos anos 60: Guerra Fria, imperialismo, intervenção militar. Mas isso faz sentido em 2015?

    Essa visão dicotômica simplista de "nós contra eles" ou de oposição automática a Washington é velha, não cabe mais. É compreensível uma certa prevenção contra os Estados Unidos entre governantes latino-americanos que despertaram politicamente nos anos 60. No entanto, nos últimos 50 e poucos anos, mudamos todos: os Estados Unidos, a América Latina, você e eu. É mais que hora de superar o trauma.

    No campo internacional, a Organização dos Estados Americanos foi uma das instituições que mais sofreram com essa mentalidade. Era o foro no qual a América Latina e os Estados Unidos se encontravam –mas sem a Cuba comunista, excluída do órgão em 1962.

    Com a eleição, no continente, de vários governos de esquerda de viés antiamericano, as reverberações do trauma anti-imperialista se agravaram, e a OEA perdeu dinamismo. O próprio governo brasileiro retirou seu embaixador titular em 2011, por discordar de decisões da Comissão de Direitos Humanos do órgão.

    Mas novos tempos se anunciam. Nesta semana, o uruguaio Luis Almagro, ex-chanceler do presidente José Mujica, foi eleito secretário-geral da OEA. Em seu discurso, prometeu "renová-la". Pode ser que ele consiga. O irritante entre Estados Unidos e Cuba arrefece. No próximo mês, o presidente Raúl Castro participará pela primeira vez de um evento no âmbito da OEA, a Cúpula das Américas, no Panamá, na qual se encontrará, entre outros, com o presidente Obama.

    Uma eventual volta de Cuba ao grupo, sob um secretário-geral recém-empossado, é um evento alvissareiro. No caso do Brasil, as dificuldades com o órgão parecem estar sendo superadas. O ministro das Relações Exteriores compareceu à eleição de Almagro, e a presidente Dilma pretende ir à reunião no Panamá. Espera-se que, em breve, o governo brasileiro apresente o nome de um novo embaixador.

    Seria propício para o ambiente continental que o Brasil voltasse em plena forma à OEA. A tradição dos países latino-americanos é de resolver conflitos regionais por meios diplomáticos. E, na diplomacia, é conversando que a gente se entende.

    A pauta da OEA é vasta e permite a discussão de uma ampla gama de temas de interesse do Brasil e seus vizinhos nas três Américas e no Caribe. Com a volta de Cuba, o diálogo interamericano ficará mais legítimo, mas também mais necessário. É importante o Brasil retomar sua participação integral (inclusive financeira) nos trabalhos da OEA. O espaço de diálogo oferecido é valioso. Não deve ser desperdiçado.

    alexandre vidal porto

    Escreveu até outubro de 2016

    Escritor e diplomata, mestre em direito (Harvard). Serviu na missão na ONU e no Chile, EUA, México e Japão. É autor de "Sergio Y. vai à América" (Cia das Letras).

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