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    Alexandre Vidal Porto

    O transexual visível

    02/05/2015 04h00

    Quem tem criança em casa sabe que as refeições podem ser problemáticas.

    Para ajudar os pais na hora do café da manhã, a marca de sucrilhos "Wheaties", uma das mais populares dos Estados Unidos, lançou o slogan: "Wheaties, o café da manhã dos campeões".

    De 1934 a 2014, as caixas do cereal traziam a figura de esportistas famosos. Gerações de crianças americanas cresceram querendo ser os atletas que estampavam as caixas do tal sucrilho.

    Bruce Jenner foi um desses campeões. É pouco conhecido no Brasil, mas, aqui nos Estados Unidos, é uma celebridade.

    Além de atleta (ganhou a medalha de ouro no decatlo na Olimpíada de 1976), era muito bonitão e participou de programas de TV e de reality shows.

    Casou-se três vezes, foi pai de seis filhos e teve quatro enteados, entre os quais a modelo e atriz Kim Kardashian.

    Na semana passada, Bruce Jenner, que tem 64 anos, declarou-se transgênero em cadeia nacional de televisão.

    A notícia causou furor. Seria como se Rivelino ou Tostão fizessem o mesmo no programa da finada Hebe Camargo.

    De forma simplificada, transgêneros (ou transexuais) são pessoas que nasceram com o corpo errado. São mulheres que nascem com anatomia masculina e homens que nascem com anatomia feminina.

    Embora esse fenômeno tenha existido sempre -e a antropologia tem exemplos de sua manifestação em várias culturas-, no Ocidente judaico-cristão, os transgêneros foram historicamente estigmatizados, condenados perpetuamente ao sofrimento e à não aceitação.

    Aos poucos, no entanto, ganham visibilidade. Bruce Jenner é parte desse processo.

    A loja de departamentos Barney's fez uma campanha publicitária com modelos transgêneros, e uma das séries de TV de mais sucesso nos Estados Unidos ("Orange Is the New Black") tem uma atriz transexual.

    Em seu último discurso sobre o estado da União, Barack Obama declarou apoio explícito aos transgêneros. Foi a primeira vez que um presidente dos Estados Unidos fez isso oficialmente.

    No Brasil, tivemos Roberta Close, que trouxe para o imaginário do grande público a figura de uma pessoa trans.

    Recentemente, a modelo Lea T., filha de Toninho Cerezo, e o cartunista Laerte também vieram a público falar de sua transexualidade.

    Tem gente que acha esse tipo de exposição excessiva. "Para que isso? Por que expor o assunto dessa forma aberta?"

    A resposta é simples: porque é difícil respeitar o que não se vê. É importante que os transexuais se mostrem em toda a sua plenitude e dignidade humanas. Especialmente os que têm penetração social e formam opinião.

    Estigmatizar os transexuais é cruel. Religiosos intolerantes opõem-se à sua aceitação. O papa Francisco, porém, recebeu um cidadão transgênero e sua namorada no Vaticano. "Deus te aceita como és", foi o que lhe disse.

    Goste-se ou não, os transexuais existem e têm os mesmos direitos que eu e você. Ninguém faz nenhum favor ao reconhecer-lhes a identidade.

    Nascer transgênero já é complicado demais para que as autoridades agreguem dificuldades. A transexualidade é um fenômeno da natureza humana. Só isso. Não precisa ter medo.

    A intolerância não cabe aqui.

    alexandre vidal porto

    Escreveu até outubro de 2016

    Escritor e diplomata, mestre em direito (Harvard). Serviu na missão na ONU e no Chile, EUA, México e Japão. É autor de "Sergio Y. vai à América" (Cia das Letras).

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