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    Alexandre Vidal Porto

    Execução, não

    30/05/2015 04h00

    Assisti a uma execução pela primeira vez. Não foi ao vivo, mas, ainda assim, foi chocante.

    No vídeo a que eu assisti, um homem ajoelhado, com as mãos atadas para trás e os olhos vendados, é vigiado por dois policiais que conversam, como se nada acontecesse.

    Um quarto homem entra em cena. Usa roupas sauditas tradicionais e, com os braços levantados, segura uma adaga. Acerca-se do homem ajoelhado. A câmara se aproxima. Desfere-lhe um golpe no pescoço. A cabeça com os olhos vendados pula do corpo como uma rolha de champanhe. O sangue jorra e escorre pelo chão.

    Tal brutalidade não foi obra do Estado Islâmico ou de outro bando de terroristas sanguinários. Foi cometida por um governo, dentro da lei, em nome de um Estado-membro das Nações Unidas.

    Esse assassinato a que assisti aconteceu na Arábia Saudita, mas poderia ter acontecido em muitos outros lugares –60% da população do mundo vivem em países nos quais a pena de morte é prevista em lei. Os quatro países mais populosos do mundo –China, Índia, Estados Unidos e Indonésia– a adotam.

    Hoje em dia, a pena de morte é aplicada de fato em 36 países. Outros 50 preveem-na na legislação, mas fazem moratória, e 98 a proíbem. Seis contemplam-na para casos especiais. O Brasil é um deles: prevê a pena de morte para crimes militares, em tempos de guerra.

    No ano passado, 607 pessoas foram executadas em 22 países. Os métodos de execução empregados variam: injeção letal (China, Vietnã), câmara de gás (Estados Unidos), fuzilamento (Indonésia, Cuba), enforcamento (Japão, Egito), cadeira elétrica (Estados Unidos), decapitação (Arábia Saudita, Catar)

    Não existe estudo científico que comprove que a aplicação da pena de morte reduza a criminalidade. As Nações Unidas promovem uma moratória internacional nas execuções e recomendam que a pena capital seja utilizada apenas nos crimes mais graves, como homicídio. No entanto, na China, por exemplo, existem 55 tipos de crimes capitais, entre eles crimes econômicos e corrupção.

    Mas nem tudo é má notícia. Executaram-se 22% menos pessoas no mundo em 2014 do que em 2013. Nos Estados Unidos, por exemplo, o número de sentenças de morte proferidas pelo Judiciário em 2014 está entre os mais baixos dos últimos 40 anos. Nesta semana, o Estado norte-americano de Nebraska aboliu formalmente a pena capital, e, na última década, o número de países que a implementam caiu pela metade.

    É bom que seja assim. A única justificativa para a aplicação da pena de morte é a vingança. No entanto, não acho que a vingança seja uma sentimento que se deva cultivar –nem em nível pessoal, nem, muito menos, em nível nacional, como país. Se um cidadão se mostrar inviável para o convívio social, deixe-o preso, excluído, como tem de ser.

    Isso é questão de princípio. O homicídio é o crime mais bárbaro e mais irreversível. Não acho que instituições de governo, responsáveis por preservar e promover valores civilizatórios, devam se igualar aos criminosos na barbárie. Sim, existem assassinos, mas, como diria nosso saudoso Millôr Fernandes, não se deve amplificar a voz dos imbecis –nem os crimes dos criminosos.

    alexandre vidal porto

    Escreveu até outubro de 2016

    Escritor e diplomata, mestre em direito (Harvard). Serviu na missão na ONU e no Chile, EUA, México e Japão. É autor de "Sergio Y. vai à América" (Cia das Letras).

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