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    Alexandre Vidal Porto

    Senado ocupa vácuo deixado por Dilma na política externa

    23/06/2015 03h59

    Na política, não existe vácuo. Todo lugar vazio é ocupado. Isso parece ter acontecido com a política externa de nosso país.

    Por falta de gosto e de visão, a Presidente Dilma Rousseff negligenciou e subestimou a diplomacia. Em seu primeiro mandato, passou a metade do tempo desqualificando o Itamaraty e a outra metade, sucateando-o. Cancelou visitas internacionais e deixou embaixadores estrangeiros esperando meses sem fim para serem recebidos. Nunca se importou com as consequências.

    Sergio Lima - 24.mar.15/Folhapress
    O chanceler Mauro Vieira (à esq.) discute os rumos da política externa brasileira com os membros da Comissão de Relações Exteriores, presidida pelo senador Aloysio Nunes (PSDB-SP)
    O chanceler Mauro Vieira (à esq.) discute os rumos da política externa brasileira com os membros da Comissão de Relações Exteriores, presidida pelo senador Aloysio Nunes (PSDB-SP)

    Em seu segundo mandato, parece ter-se dado conta dos prejuízos, mas, para a Presidente, talvez seja tarde demais.

    É que o descaso presidencial com a política externa despertou o Senado para suas responsabilidades e prerrogativas na matéria. Da tradicional passividade frente às orientações do Executivo, os senadores passaram a um ativismo intenso -e inédito- em assuntos diplomáticos.

    Essa ação se deve ao fato de a oposição presidir a Comissão de Relações Exteriores do Senado. No entanto, a estratégia dos senadores oposicionistas é facilitada pela inabilidade do Planalto.

    Em maio, o Senado barrou a indicação da Presidente para embaixador na OEA. Foi a primeira vez na história recente que isso aconteceu. No mesmo mês, os senadores aprovaram uma moção de solidariedade pelo centenário do genocídio armênio. Foi o primeiro reconhecimento oficial do governo brasileiro à tragédia.

    Na semana passada, oito senadores realizaram uma visita à Venezuela cujo objetivo era prestar solidariedade a presos políticos de oposição ao regime. A comitiva tinha também solicitado encontros com parlamentares locais ao Presidente da Assembleia Nacional da Venezuela. O grupo chegou à Venezuela, teve seu acesso bloqueado, passou por achaque e constrangimentos físicos e, finalmente, foi impedido de cumprir sua agenda.

    Aparentemente frustrada, a missão teve em si o grande mérito de expor as condições de deterioração da democracia na Venezuela. Isso em si constitui um serviço à nação.

    O que aconteceu com nossos senadores na Venezuela deixa claros os limites da democracia em nosso vizinho. Antes que venham dizer que isso é um problema interno, exclusivo da Venezuela, eu respondo: não é não.

    Em um dos episódios mais negros da diplomacia brasileira, invocou-se a cláusula democrática do Mercosul para suspender o Paraguai do grupo. Agora, que a Venezuela se afasta das liberdades democráticas, o Brasil deve obedecer ao mesmo padrão que defendeu no caso paraguaio. É o que querem os senadores, e eles têm razão.

    O Executivo tem a primazia na política externa, mas o Legislativo tem competência legal para influir em sua formulação. A participação parlamentar confere mais densidade e legitimidade à ação externa e ao discurso diplomático.

    A ação do Senado afirma a noção de que a política externa oficial deve ser o resultado de uma discussão institucional entre Poderes.

    Esse é um diálogo que vai conferir mais qualidade à nossa democracia, mas que também vai -e com todo o direito- dar muito mais trabalho ao governo da Presidente Dilma Rousseff.

    alexandre vidal porto

    Escreveu até outubro de 2016

    Escritor e diplomata, mestre em direito (Harvard). Serviu na missão na ONU e no Chile, EUA, México e Japão. É autor de "Sergio Y. vai à América" (Cia das Letras).

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