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    Alexandre Vidal Porto

    Imagem de Obama vincula a negritude ao poder

    21/07/2015 03h30

    Quando trabalhava em Washington, meu escritório ficava à beira do rio Potomac. Da janela, na outra margem do rio, eu avistava o Estado da Virgínia. Se quisesse cruzar a fronteira estadual, era só atravessar a ponte.

    Mas, sempre que podia, evitava ir à Virgínia. Incomodava-me o fato de que, até 1967, casamentos inter-raciais eram proibidos no Estado (e também —confesso— ter lido em algum relatório que a Virgínia era um dos piores lugares para os LGBTs nos EUA).

    Imaginária ou não, em certos lugares na Virgínia, eu sentia uma tensão racial semelhante à que senti na África do Sul nos anos 90.

    Quando Barack Obama foi eleito pela primeira vez, em 2008, eu tentava dimensionar a contribuição que um presidente negro traria para uma sociedade de passado segregacionista, como a americana.

    A vida de Obama tinha sido bem diferente da média do negro americano. Seu pai, negro, era um economista queniano e sua mãe, branca, uma antropóloga do Kansas. Foi criado pelos avós maternos no Havaí. Viveu na Indonésia e frequentou escolas de elite, como Columbia e Harvard.

    A um ano e meio do final de seu segundo mandato, acho que é possível contemplar de forma mais clara o alcance de sua contribuição. Outro dia, ouvi um comentarista dizer que o presidente negro que todos temiam tinha finalmente chegado.

    Em termos domésticos, aprovou seguro de saúde universal, saiu na defesa de 5 milhões de imigrantes indocumentados e reafirmou a importância do combate ao racismo. Posicionou-se a favor do controle de armas e foi o primeiro presidente a incluir os transexuais em discurso oficial e a visitar uma prisão federal (os EUA têm a maior população carcerária do mundo em termos relativos, 0,7%).

    Em política externa, conseguiu autorização do Congresso para acelerar acordos comerciais e assinou acordo com a China em matéria de proteção ambiental. Recentemente, realizou dois feitos históricos: o restabelecimento de relações com Cuba e a retomada do diálogo diplomático com o Irã, sob a forma de acordo nuclear. Nos dois casos, liberou os Estados Unidos de impasses paralisantes e desnecessários que já duravam décadas.

    Pragmático, fala dos Estados Unidos não como projeto acabado, mas como obra em construção e filia-se à tradição política progressista e transformadora de outros presidentes democratas como F.D.Roosevelt, Woodrow Wilson e Lyndon Johnson.

    Seu legado vai depender de contingências, mas Barack Obama já deu várias mostras de que não é refém da história nem vive no passado. Comporta-se como líder e parece claro nos caminhos que quer indicar. Cometeu e cometerá enganos —ninguém é perfeito—, mas já agregou ao imaginário coletivo mais uma possibilidade à figura do homem negro: a de presidente do mesmo país que proibia que esse homem se casasse com uma branca.

    A imagem de Obama como presidente dos EUA vincula a negritude ao poder. E isso é importante, porque permite a muita gente sonhar.

    alexandre vidal porto

    Escreveu até outubro de 2016

    Escritor e diplomata, mestre em direito (Harvard). Serviu na missão na ONU e no Chile, EUA, México e Japão. É autor de "Sergio Y. vai à América" (Cia das Letras).

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