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    Alexandre Vidal Porto

    Ataque ao Brasil

    01/09/2015 04h00

    Países mantêm relações cordiais, trabalham juntos e cooperam entre si, mas não se enganem: no cenário internacional, ninguém é bonzinho. Os interesses nacionais prevalecem. Todos buscam vantagem.

    É como num concurso de miss. As candidatas parecem amigas. Sorriem umas para as outras, tiram fotos e ensaiam coreografias juntas, mas o que cada uma quer mesmo é ganhar a competição.

    Nesse tipo de ambiente competitivo, é contraproducente exibir vulnerabilidades, porque elas serão usadas contra você. O raciocínio é básico, mas o governo parece não entender, e o que faz o Itamaraty em termos orçamentários é exemplo claro desse desentendimento.

    O Itamaraty opera em 150 países; por isso, 90% do seu orçamento, embora calculados em reais, são gastos no exterior, para pagar despesas em dólares.

    Sergio Lima - 9.dez.2009/Folhapress
    Fachada do Palácio Itamaraty, sede do Ministério da Relações Exteriores
    Fachada do Palácio Itamaraty, sede do Ministério da Relações Exteriores

    Quando o dólar aumenta, o orçamento em reais do Itamaraty deveria aumentar, porque, afinal, suas obrigações, em dólares, continuam as mesmas. É como quando você compra um pacote de viagem em dólares, e o dólar aumenta.

    Ainda que essa questão pudesse ser resolvida com crédito suplementar ou gatilho cambial, o governo federal tem preferido ignorá-la, e várias repartições brasileiras mundo afora, à falta de recursos, têm sido objeto de cobrança por parte de parceiros e fornecedores.

    É como se as dificuldades orçamentárias impostas ao Itamaraty não trouxessem prejuízo nenhum ao país. Só que trazem.

    Recentemente, o jornal argentino "La Nación" publicou reportagem grande na edição de domingo sobre as dificuldades do governo brasileiro em pagar o papel higiênico e o aquecimento de suas embaixadas.

    Também recentemente, a Embaixada em Washington não pode pegar o ministro Levy, que chegava à cidade, porque não recebera recursos para o seguro obrigatório dos veículos oficiais.

    Se o problema se resumisse ao táxi que o ministro X ou Y teve de tomar, tudo bem, mas o Itamaraty faz mais que isso.

    Quando o seguro obrigatório dos carros foi suspenso, foram igualmente suspensos a assistência consular itinerante a brasileiros necessitados e o atendimento a emergências de imigração, polícia e presídios.

    Para manter relações cordiais com os outros países, o mínimo que o Brasil tem de fazer é pagar suas contas em dia. Ninguém gosta de caloteiro. Além disso, se a embaixada é caloteira, todo o Brasil é caloteiro. Eu e você nos tornamos caloteiros.

    Para economizar alguns tostões, o governo, num desatino administrativo, humilha toda a nacionalidade. Hoje, quem sofre é o diplomata que recebe ameaça de despejo. No futuro, quem vai sofrer é você.

    Independentemente de quem esteja no governo, o Itamaraty é um instrumento do Estado brasileiro e precisa ser preservado. O ataque orçamentário que ele sofre é um ataque ao Brasil.

    O prejuízo econômico e político dessa irresponsabilidade ultrapassa em muito os mínimos recursos de que ele necessita para funcionar e representar o país com dignidade.

    Qual é a vantagem de economizar menos de 1% do orçamento nacional –que é a parcela total do Itamaraty no Orçamento da União– quando essa economia tem o enorme custo indireto de enlamear o nome do Brasil na opinião pública mundial?

    Compensa? É óbvio que não. Quer que eu desenhe?

    alexandre vidal porto

    Escreveu até outubro de 2016

    Escritor e diplomata, mestre em direito (Harvard). Serviu na missão na ONU e no Chile, EUA, México e Japão. É autor de "Sergio Y. vai à América" (Cia das Letras).

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