• Colunistas

    Sunday, 19-May-2024 15:41:51 -03
    Alexandre Vidal Porto

    No Brasil também tem terremoto

    15/09/2015 04h00

    Sou guloso. Adoro comida. A única coisa que me tira o apetite é não ter companhia para comer. Quando eu trabalhava em Tóquio, tinha uma companheira de mesa à altura. Tomoko Koga, minha secretária e amiga, também adorava restaurantes. Juntos, explorávamos a gastronomia da cidade.

    Quando a conta chegava, eu, o diplomata, invariavelmente me apossava dela. Tomoko, também invariavelmente, insistia para que dividíssemos. Eu sempre vencia. Dava a ela um olhar condescendente e pagava a conta sozinho, orgulhoso, sem me dar conta de meu machismo e de minha ignorância sobre o Japão.

    A ficha só caiu quando, um dia, Tomoko se enervou e me disse, muito séria, olho no olho: "Ministro, eu não sou pobre!" ("Ministro" era o meu cargo na Embaixada).

    A despeito de todas as críticas que lhe façam, eu nunca vivi em uma sociedade tão igualitária quanto a japonesa. Todo mundo parece ter um lugar e uma função na coletividade.

    Em meus passeios de bicicleta, imaginava que aquele brinco de cidade, ao longo da história, havia sido destruída e reconstruída várias vezes. Só no século 20, duas. Em 1923, Tóquio foi praticamente reduzida a cinzas por um terremoto. Em 1945, foi bombardeada. Centenas de milhares morreram e mais de um milhão ficaram desabrigados.

    Intuitivamente, sempre achei que essa história de tragédias destruidoras e reconstrução que o Japão teve de enfrentar fora um elemento fundamental no processo de conquista da igualdade que hoje beneficia minha amiga Tomoko Koga.

    Imaginemos, por exemplo, que eu seja filho de um comerciante abastado, com todos os privilégios que isso inclui, e você seja um joão-ninguém. Depois do terremoto ou do bombardeio, em que o armazém do meu pai queimou e eu perdi tudo, fomos igualados pela tragédia.

    A superioridade que eu tinha em relação a você acabou. A reconstrução da cidade destruída será feita em termos mais equitativos por cidadãos nivelados pela tragédia, que passam a dividir o espaço social de forma mais igualitária.

    Aqui, a tragédia que nos destrói é a política. Hoje, é o que nos leva à miséria. Enquanto você lê esta frase, o fisiologismo e a venalidade do Legislativo, os privilégios e a morosidade do Judiciário e a descoordenação e falta de liderança do Executivo nos aniquilam. Olhamos para o país e vemos mais ruínas que construção.

    Precisávamos de um gerente, de um mestre de obras, de um líder, que assegurasse e conduzisse a execução dos trabalhos de reparo. O Presidente Lula disse que em Dilma Rousseff teríamos isso. Só que não.

    Quando, em 2009, a revista "piauí" revelou que a candidata a presidente Dilma Rousseff declarava em seu currículo um título de "mestre em teoria econômica" que nunca existiu, achei lamentável, mas creditei o " erro " à vaidade e à insegurança de uma candidata inexperiente.

    Meses depois, li em algum lugar que a Presidente Rousseff estudava os planos de voo e cartas meteorológicas de suas viagens pelo Brasil. Não pude evitar a ideia de que uma presidente que tem tempo de estudar mapas aéreos estaria deixando de ler algo importante, que, sim, deveria estar lendo, como, talvez, relatórios da Petrobras.

    Um líder não pode ter soberba. A soberba de um presidente não deve nunca prejudicar o país. Precisamos de resultados que o governo não sabe produzir. Carecemos dos mestres, gerentes e líderes que Dilma Rousseff nunca chegou a ser. Pode ser difícil e doloroso, mas reconhecer e aceitar limitações ainda é a maneira mais inteligente de lidar com a realidade. É o que Dilma Rousseff deveria fazer.

    Ter de reconstruir o que nosso terremoto político destruiu é nossa realidade. Vai levar tempo, mas é possível. Tóquio está aí para servir de exemplo.

    alexandre vidal porto

    Escreveu até outubro de 2016

    Escritor e diplomata, mestre em direito (Harvard). Serviu na missão na ONU e no Chile, EUA, México e Japão. É autor de "Sergio Y. vai à América" (Cia das Letras).

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024