Cheguei ontem a Nova York. Faz um frio medonho. A Assembleia-Geral das Nações Unidas está em sessão. Entro em uma loja de conveniência para comprar uma bebida, e, na fila do caixa, antes de mim, reconheço dois diplomatas pelo crachá azul da ONU.
São brasileiros, mas não nos conhecemos. Pagam uma garrafa de água mineral. Um deles diz para o outro: "Deixa eu correr porque tenho uma reunião na missão da Índia", e é como se suas palavras me deslocassem ao passado.
Há 25 anos, um desses rapazes poderia ser eu. Como eles, fui diplomata jovem na Missão do Brasil em Nova York. Na condição de Terceiro Secretário, cargo mais baixo da carreira, compareci a muitas reuniões nas missões da Índia, Chile, Rússia, Alemanha e de quem mais precisasse. Nossa função? Negociar em nome do Brasil na ONU.
Dava um orgulho danado: representar o país, defender seus direitos, aproximar o povo brasileiro dos outros povos do planeta. Para um jovem servidor público, curioso do mundo e idealista, o que poderia ser melhor e mais gratificante?
Jhon Paz/Xinhua | ||
Vista noturna do Palácio do Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores brasileiro, em Brasília |
O Brasil, no começo dos anos 90, era uma democracia jovem e imperfeita, economicamente em crise, mas cheia de sentido de possibilidade. Na ONU, meus colegas e eu funcionávamos como seus advogados, lobistas e relações públicas. Para mim e para os meus colegas, era claro que negociávamos para fazer um Brasil melhor.
Hoje, longe do Itamaraty, pergunto-me o que pensam e o que sentem esses jovens servidores públicos, curiosos do mundo e idealistas, diante do desmonte institucional e do esvaziamento profissional que a péssima governança de Dilma Rousseff lhes acarreta.
Tive 25 anos de carreira diplomática, mas estou licenciado do Itamaraty faz dois. Ainda assim, afastado, talvez por idealismo descabido, tinha vontade de dizer a esses jovens diplomatas que vão a reuniões nas missões da Índia e de onde mais precisar, que os tempos que correm hoje são os piores que já vi. Mas passarão.
Conhecer e estudar o Brasil, suas mazelas, seu povo, suas contradições ajudará a dar sentido ao ofício e a contextualizar historicamente os tempos difíceis.
O Brasil nunca precisou tanto de diplomacia como agora. Mais que nunca, os diplomatas são importantes para explicar ao mundo o que ninguém consegue entender; nem que seja para dizer que, infelizmente, a presidente é difícil, que, com sorte, daqui a pouco o governo acaba e que, com certeza, o Brasil continua, apesar dos pesares.
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Escritor e diplomata, mestre em direito (Harvard). Serviu na missão na ONU e no Chile, EUA, México e Japão. É autor de "Sergio Y. vai à América" (Cia das Letras).