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    Alexandre Vidal Porto

    Eu vi um novo Brasil, e ele começa no Vidigal

    27/10/2015 04h00

    Estou nos Estados Unidos. Vim participar do lançamento da revista "Pessoa", que publicou a tradução em inglês de 25 ficcionistas, poetas, dramaturgos e escritores infantis brasileiros. Nuno Ramos, Luisa Geisler e eu viemos representá-los no Festival do Livro de Boston e na Boston University.

    Cheguei aqui alegre, mas ia-me deprimindo a cada dia. Achei que fosse o tempo nublado, mas não. Meu problema é que eu não conseguia parar de comparar o que via nos Estados Unidos com a realidade que havia deixado no Brasil. Morei 20 anos no exterior e nunca fui de fazer isso. Acho que cada lugar tem coisas boas e coisas ruins, não sou de me lamentar, mas o problema é que o Brasil passou a ter coisas ruins demais.

    No entanto, de repente, minha depressão e meu desencorajamento transformaram-se em otimismo e sentido de possibilidade depois de uma conversa que tive com dois amigos brasileiros que encontrei por aqui.

    Pedro Henrique de Cristo é um arquiteto paraibano com cara de holandês, que conheço e admiro faz alguns anos, desde que ele era estudante de políticas públicas em Harvard. Mauro Quintanilha é líder comunitário e ativista social na favela do Vidigal, no Rio de Janeiro. O Mauro eu não conhecia, mas depois de nossa conversa, viramos amigos de infância.

    Eles me contaram sobre o Projeto Sitiê, que ajudaram a conceber e implementar no Morro do Vidigal, no Rio de Janeiro. A ideia do projeto é transformar o Vidigal, que fica entre os bairros do Leblon e São Conrado, na primeira favela integrada, sustentável e resiliente do mundo.

    Daniel Marenco - 30.out.2013/Folhapress
    O arquiteto Pedro Henrique de Cristo no parque ecológico Sitiê, construído na favela do Vidigal, no Rio
    O arquiteto Pedro Henrique de Cristo no parque ecológico Sitiê, construído na favela do Vidigal, no Rio

    O projeto consiste na recuperação e transformaçao de áreas degradadas em espaços públicos de convivência. Inclui ações em várias áreas, que se completam e reforçam, como educação, empreendedorismo, participação social, lazer, preservação ambiental e design.

    Por meio dessas ações, o projeto procura estimular a coesão da comunidade e a recuperação de sua autoestima, associando os conhecimentos tradicionais dos moradores à assessoria técnica inovadora de primeira qualidade.

    Com recursos escassos, o Projeto Sitiê concebeu e coordenou a retirada de 16 toneladas de lixo para o estabelecimento de um parque agroecológico, que conseguiu transformar a relação dos moradores da favela com o espaço público. A iniciativa tem ganhado reconhecimento e prêmios internacionalmente e quer crescer.

    Mauro e Pedro vieram buscar apoio nos Estados Unidos, e o projeto fez amigos de peso por aqui. Não é por acaso que encontrei Pedro e Mauro ao lado do campus da Universidade Harvard.

    Você, que está no Brasil, sob a presidência legislativa de Eduardo Cunha, provavelmente com nível de esperança mais baixo que o meu, poderá perguntar: mas o que são 16 toneladas de lixo diante do oceano de esgoto em que nos afogamos?

    Eu responderei: essas 16 toneladas de lixo e o parque que as substitui são o exemplo tangível de que é possível –com trabalho sério, técnico e associativo– transformar lixo em coisas boas.

    O Projeto Sitiê dá sentido de possibilidade à ação de cada um de nós, como indivíduos e como sociedade civil. Nosso país não precisa ser um aterro sanitário e pode se transformar em parque, se nos unirmos como nacionalidade e decidirmos retirar com as próprias mãos o lixo que nos empesteia.

    twitter: @vidalporto
    instagram: @alexvidalporto

    alexandre vidal porto

    Escreveu até outubro de 2016

    Escritor e diplomata, mestre em direito (Harvard). Serviu na missão na ONU e no Chile, EUA, México e Japão. É autor de "Sergio Y. vai à América" (Cia das Letras).

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