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    Alexandre Vidal Porto

    A importância do exemplo

    26/01/2016 02h00

    Na minha turma do Instituto Rio Branco, que é a academia que forma os diplomatas brasileiros, havia cinco bolsistas estrangeiros: um de Cabo Verde, um de Angola, um da Guiné-Bissau, uma da Bolívia e um de Trinidad e Tobago.

    Todos vieram por conta de convênios de cooperação bilateral assinados entre seus países e o Brasil. No caso, os convênios tinham por objeto a formação de quadros para o serviço diplomático daqueles países.

    O marco era de cooperação Sul-Sul, entre países em desenvolvimento, alguns deles muito pobres. Para não parecermos condescendentes nem assumirmos ares de superioridade, o discurso que tínhamos para esses países era mais ou menos o de que "éramos irmãos maiores, que, como eles, enfrentávamos o mesmo processo de superação do subdesenvolvimento, só que um pouco à frente etc.", o que de fato é verdadeiro.

    Apesar de eu mesmo ter empregado esse discurso, só vim a me dar conta da realidade desse papel exemplar que o Brasil assumia para os países de menor desenvolvimento relativo quando, faz alguns anos, visitei o Benin, que fica entre o Togo e a Nigéria, na costa da África Ocidental.

    Trata-se de um país pequeno, com pouco mais de 10 milhões de habitantes. É considerado de baixo desenvolvimento humano, ocupando a 166ª posicão entre 188 países. A economia é incipiente. Grande parte da população sobrevive à base da agricultura de subsistência.

    Sergio Lima - 23.mar.2012/Folhapress
    O presidente do Benin, Boni Yayi, é recebido pela presidente Dilma Rousseff no Planalto, em 2012
    O presidente do Benin, Boni Yayi, é recebido pela presidente Dilma Rousseff no Planalto, em 2012

    Cheguei de carro, vindo de Lomé, capital do vizinho Togo, porque para ir de avião do Benin (a distância entre as duas cidades é cerca de 160 km) eu precisaria fazer conexão em Paris.

    Em Cotonou, sede do governo beninense, foi surpreendente ver o grande número de bandeiras brasileiras espalhadas pela cidade. Era como se, por lá, a bandeira brasileira fosse um objeto de decoração.

    A razão desse fascínio do Benin em relação ao Brasil é histórica. Grande parte dos cativos africanos traficados para Salvador (Bahia) foi embarcada em Uidá, um porto beninense.

    No século 19, Francisco Félix de Sousa, um traficante de escravos brasileiro, acabou fundando uma série de enclaves na região que se estenderia de Gana a Nigéria, passando por Togo e Benin. Amealhou enorme influência junto à classe política local, e consta que teve mais de 80 filhos com as mulheres de seu harém.

    O escritor britânico Bruce Chatwin escreveu sobre Francisco Félix de Sousa em seu livro "O Vice-Rei de Uidá" (Companhia das Letras), que, por sua vez, inspirou o filme "Cobra Verde", de Werner Herzog.

    Também no século 19, escravos libertos que haviam amealhado alguma renda retornaram à região de origem e tornaram-se membros destacados na sociedade. Mantiveram seus nomes brasileiros, e seus descendentes fazem parte da elite local. Lá, é considerado aristocrático descender de brasileiros.

    O Brasil, para o Benin e vários outros países de menor desenvolvimento relativo, configura de fato um objeto de admiração: um país de africanos do qual podem se orgulhar. "Se o Brasil superou as consequências negativas da colonização, nós também podemos." Deve ser essa a lógica.

    Durante o milagre brasileiro do período pré-Dilma, especialmente, os feitos do Brasil eram profundamente inspiradores.

    A crise econômica que nos assola deixou esse papel de irmão mais velho exemplar prejudicado. Não sei se vocês se lembrarão, mas uma das embaixadas mais afetadas pela falta de recursos que ora acomete o Itamaraty foi, justamente, nossa representação em Cotonou.

    Os países em desenvolvimento, em especial os do continente africano, reúnem alguns dos governos mais corruptos do planeta, dos quais vários têm relação muito próxima com o atual governo brasileiro.

    Assim, ainda que paradoxalmente, nossa crise político-institucional também pode servir de exemplo. Basta que façamos o que, legalmente, tem de ser feito. O indiciamento e a condenação de culpados por corrupção são educativos não apenas para a classe política brasileira, mas para todos que os observam.

    Quem dá o exemplo agora são setores do Ministério Público, do Judiciário e da Polícia Federal. Do mesmo jeito que, no passado, fazíamos cooperação agrícola ou técnica, poderíamos –quando tudo isso passar–, oferecer tecnologia e exemplo para combater a corrupção.

    alexandre vidal porto

    Escreveu até outubro de 2016

    Escritor e diplomata, mestre em direito (Harvard). Serviu na missão na ONU e no Chile, EUA, México e Japão. É autor de "Sergio Y. vai à América" (Cia das Letras).

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