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    Alexandre Vidal Porto

    O governo, só, não dá conta

    01/03/2016 02h00

    Eu estava num quarto de hotel em Manaus, quando me ligaram do Itamaraty dizendo que meus planos de carreira se haviam frustrado. "A vaga em Nova York que você queria dançou, mas te mando para a Embaixada em Washington amanhã, se você topar", me disse o chefe do departamento de pessoal.

    Não era particularmente fã da cidade de Washington e não conhecia o Embaixador para quem ia trabalhar. Pedi um dia para pensar, mas acabei topando, porque seria irrazoável de minha parte recusar uma missão num dos postos mais importantes da diplomacia.

    A surpresa foi que a cidade da qual eu não era muito fã se tornou uma de minhas favoritas, e o Embaixador Rubens Barbosa, que eu não conhecia, meu deu lições e exemplos de objetividade e de sentido prático que eu trago até hoje e, acho, todo diplomata brasileiro deveria receber.

    O que, no entanto, me remete ao Embaixador Rubens Barbosa hoje é o fato de que ele anunciou recentemente a criação de um instituto independente para a discussão de temas de política externa e de comércio exterior que afetem o ambiente de negócios para as empresas brasileiras.

    O instituto, Irice —Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior—, é desvinculado de partidos políticos, e será gerido por um conselho consultivo integrado por lideranças empresariais, políticas e culturais da cidade de São Paulo. Não tem fins lucrativos, porque os envolvidos já estão no lucro.

    Fiquei contente com a iniciativa do embaixador.

    Todas as vezes que alguém se queixa de que "ninguém faz nada para resolver a situação deste país", as palavras do poeta inglês John Donne ("não pergunte por quem os sinos dobram, eles dobram por você") me vêm à mente.

    Até se compreende que as elites brasileiras pensem nesses termos, porque é gente que cresceu acostumada a jogar roupa suja no chão, e a essa mesma roupa reaparecer, limpa, dobrada, na gaveta. Bastava pagar o salário da empregada.

    No entanto, em uma democracia em formação como a nossa, não é assim que as coisas acontecem.

    Especialmente na conjuntura de desgoverno em que nos encontramos, fica clara a necessidade de que os setores da sociedade brasileira articulem uma visão crítica e propositiva a respeito das políticas públicas implementadas.

    O governo deveria ter papel maior e mais consequente nesse processo, mas o que esperar de um governo em que a expertise técnica dos quadros é mero detalhe e no qual órgãos importantes para o desenvolvimento de políticas públicas, como IPEA e IBGE, foram politicamente aparelhados?

    Não adianta achar que, para o Brasil se resolver, é só pagar imposto, como quem paga o salário de um serviçal. É preciso participação adicional. O Brasil tem carência de centros que galvanizem e sintetizem o pensamento de setores da sociedade sobre temas específicos e que proponham elementos de enriquecimento das políticas públicas em implementação.

    A iniciativa do Embaixador Rubens Barbosa em sua área de interesse de interesse denota espírito de liderança que outros indivíduos e setores da sociedade deveriam praticar em relação aos temas da vida brasileira que lhes dizem respeito. É importante que o Brasil conte com instituições de pensamento independente, colhendo dados, traçando diagnósticos e propondo receituários, porque este governo, só, não dá conta.

    Julio Bittencourt/Revista da Indústria
    O presidente do Coscex (Conselho Superior de Comércio Exterior) da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Rubens BarbosaJulio Bittencourt/Revista da Indústria
    O embaixador Rubens Barbosa, que criou o Irice (Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior)

    alexandre vidal porto

    Escreveu até outubro de 2016

    Escritor e diplomata, mestre em direito (Harvard). Serviu na missão na ONU e no Chile, EUA, México e Japão. É autor de "Sergio Y. vai à América" (Cia das Letras).

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