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    Alexandre Vidal Porto

    Renuncie-se, presidente

    15/03/2016 02h00

    Senhora Presidente,

    Nixon o fez para salvar a própria pele. De Gaulle, como blefe para unificar a França. Gorbachev, para por fim à União Soviética. Renunciar é uma possibilidade na vida dos líderes políticos –qualquer que seja a motivação. A senhora sabe disso, não é?

    Dois dias antes de milhões tomarem as ruas para pedir sua saída do governo, a senhora concedeu uma entrevista coletiva para declarar que não renunciaria.

    "Testemunhem que eu não tenho cara de quem vai renunciar", pediu aos presentes. De fato, na entrevista, não se via a fisionomia da resignação ou da renúncia. No entanto, a cara do desequilíbrio emocional estava lá, para quem a quisesse identificar. Não caiu bem.

    Mas seu comportamento foi compreensível, presidente. A renúncia –mesmo em hipótese– não é um ato prosaico. Renunciar parece contradizer a noção de idealismo e de responsabilidade com o mandato eletivo que devem orientar os governantes. No entanto, ainda assim, a renúncia nunca deve ser descartada pela simples razão de que, mesmo eleitos, continuamos falíveis e provisórios.

    Seu governo acabará, presidente, por impeachment, renúncia ou decurso de prazo. Qualquer das três hipóteses é plausível e tem previsão constitucional. Por esse motivo, não me venha falar de golpe, porque isso, para mim, é paranoia anacrônica. O regime militar acabou, a Guerra Fria esfriou e " the dream is over" faz tempo.

    Quando a senhora elogia a teimosia, desautoriza colaboradores publicamente ou enfrenta dificuldades para articular e explicar suas ideias, é só Dilma sendo Dilma. Não há nada de errado com isso, porque a senhora foi eleita para ser quem é.

    No entanto, sua eleição se deu com base em promessas mentirosas e, ao que tudo indica, foi financiada ilegalmente. A senhora nega, mas já se forma base jurídica no Legislativo e no Judiciário para fundamentar o pedido de seu impeachment. Sob sua chefia e confusão, o Brasil afundou na lama.

    Como funcionário público, presenciei desmandos cometidos em seu nome e vi a imagem do Brasil empalidecer internacionalmente. Como cidadão homossexual, não me sentia tão abandonado por meu presidente fazia tempo.

    Demorei para me dar conta de que eu não era o único a me sentir assim. Veja quanta gente nas ruas. A senhora não cuida direito do Brasil e, ainda assim, insiste em querer cuidar.

    Na sua entrevista coletiva, a senhora cometeu um ato falho revelador. Disse "eu me renuncio" e, nessa utilização confusa do pronome reflexivo, deu clareza à natureza pessoal de sua recusa tão peremptória em renunciar.

    A senhora não quer "se renunciar", abrir mão de si mesma, de seu orgulho como governante, do seu sonho de ativista. Mas o que a senhora encara como responsabilidade é só vaidade, presidente. Algum amigo já lhe chamou a atenção para isso?

    Sua presidência diminuiu o Brasil e as conquistas de que tanto nos orgulhávamos. Mas algumas coisas simplesmente não dão certo. Aceite isso. A teimosia não é um valor em si. Os custos de persistir em erro são muito altos. A senhora se dá conta disso?

    O povo brasileiro merece uma presidência melhor que a sua. É uma pena que não tenha dado certo, porque se esperava muito de uma mulher de esquerda na Presidência. Mas liderança exige coragem, e a senhora, como presidente da República, nunca foi corajosa. No Planalto, parece que seu coração valente parou de bater. Melhor tirá-lo de lá.

    Tem ausências que preenchem lacunas. Acho que será esse o seu caso. Se precisar de motivos mais nobres, pense em Eduardo 8º, que abdicou do trono da Inglaterra para ser feliz com sua amada Wallis Simpson.

    O amor –por uma mulher ou por uma nação– também pode ser uma excelente razão para renúncia e resignação, presidente. A senhora já pensou nisso?

    Sinceramente,

    Alexandre Vidal Porto

    alexandre vidal porto

    Escreveu até outubro de 2016

    Escritor e diplomata, mestre em direito (Harvard). Serviu na missão na ONU e no Chile, EUA, México e Japão. É autor de "Sergio Y. vai à América" (Cia das Letras).

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