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    Alexandre Vidal Porto

    Na hora da sede

    29/03/2016 02h00

    Em Paris, enquanto esperava o metrô para voltar ao hotel, lia as notícias do Brasil no celular. Ali, na plataforma, me veio à mente a voz grave de Clementina de Jesus: "Na hora da sede, você pensa em mim... "

    Tenho certeza de que, também em Brasília, tem vários embaixadores estrangeiros cantarolando as palavras de Clementina.

    Explico-me: é que, na semana passada, realizou-se no Palácio do Planalto o "Encontro com Juristas pela Legalidade da Democracia". A reunião serviu para um grupo de juristas picharem as ações do juiz Sergio Moro na Operação Lava-Jato e manifestarem oposição ao processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Serviu, também, para a presidente declarar, em alto e bom som, que "jamais renunciarei".

    Para o encontro, foram convidados os cerca de 150 embaixadores estrangeiros residentes em Brasília. Ninguém explicou por quê. A ideia, ao que parece, era, mediante os argumentos dos juristas e da presidente, denunciar ao corpo diplomático a ameaça de uma possível ruptura institucional no Brasil.

    O evento foi interrompido várias vezes por gritos e slogans de apoio. Encerrou-se com a presidente recitando de memória as quatro palavrinhas amiúde repetidas, mas que nada explicam: "Não vai ter golpe".

    Os embaixadores e seus representantes assistiram a isso com atenção. Afinal, não é todo dia que se avistam com a presidente Dilma. A esta altura, em todas as capitais do mundo, já existe um relatório sobre o encontro.

    Em suas análises, os embaixadores terão explicado a seus governos se o que se passa no Brasil em termos políticos, sim, é "golpe" , como desejam a presidente e os juristas do Planalto, —ou se é apenas a institucionalidade se aplicando a um governo tecnicamente inepto e fiscalmente irresponsável.

    Em qualquer hipótese, para a comunidade internacional, a versão oficial do que se passa vai ser pautada pelos diplomatas estrangeiros estacionados no Brasil.

    Ao convidar o corpo diplomático para o encontro de juristas, a estratégia presidencial terá sido oferecer aos embaixadores a versão governista da crise. Com isso, o Planalto espera influenciá-los a que transmitam a seus governos a visão presidencial das coisas.

    É ótimo que a presidente tenha contato com o corpo diplomático. Afinal, cada embaixador é o representante pessoal de seu chefe de Estado. O embaixador da Argentina fala em nome do presidente Macri, a embaixadora dos EUA, em nome do Obama, e assim por diante. São os mais altos representantes de governos estrangeiros no Brasil.

    No entanto, a relação da presidente com o corpo diplomático estrangeiro nunca foi das melhores. A inabilidade política de Dilma não conhece fronteiras. Em seu governo, destratou a então embaixadora da Colômbia em público, humilhou o embaixador da Indonésia na frente dos colegas e deixou os príncipes do Japão —seus convidados— esperando por 20 minutos para serem recebidos.

    Além disso, durante mais de um ano, alegando problemas de agenda, recusou-se a receber as credenciais dos embaixadores que chegavam para cumprir missão no Brasil. Deixou 32 esperando. Detalhe: sem a entrega dessas credenciais à presidente —em mão—, os embaixadores não podem trabalhar oficialmente.

    Eles provavelmente a adoram.

    Com seu histórico de gafes, a presidente não tem muitos amigos entre os embaixadores estrangeiros em Brasília. Agora, nos estertores de seu governo, quer a ajuda de quem ela nunca ajudou.

    Em seus relatórios, diplomatas devem ater-se aos fatos objetivos. No entanto, os fatos da crise brasileira são contraditórios. Existe espaço para subjetividade. E subjetividade humana é influenciada pela simpatia. A presidente nunca foi simpática com o corpo diplomático.

    Diplomatas vão para países estrangeiros para fazer amigos e influenciar pessoas —porque, afinal, amigos influenciam amigos.

    Ao convidar os embaixadores para influenciá-los —como se deles fosse amigo—, a presidente subestima os diplomatas estrangeiros, que têm sua própria visão da realidade local. Esquece, também, que, em geral, influência, para dar certo, deve ser precedida de amizade —ou, pelo menos, de simpatia. É assim que funciona.

    Sabe quando falam de diplomacia? É disso que estão falando.

    alexandre vidal porto

    Escreveu até outubro de 2016

    Escritor e diplomata, mestre em direito (Harvard). Serviu na missão na ONU e no Chile, EUA, México e Japão. É autor de "Sergio Y. vai à América" (Cia das Letras).

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